Um correr sobre os rios de acasos e
ocasos,
E memórias e retratos, assim
retrátil, olha,
Assim como olha os peixes, mergulha,
Disfarçando a fagulha de um sonho. Discreto.
I.
Como se nascer bastasse,
Deixa a vida passar pastosa, imóvel. Em espera incansável,
Lambuza os dedos sem atrever-se a sentir o gosto, estável,
Sem antever-se.
Como se nascer bastasse
E fosse uma simples passagem de um buraco a outro buraco,
Escorrega a vida pelas mãos de um outro, tirano e fraco,
Sem esvaziar-se.
Como se nascer bastasse,
Espera pacientemente o antes de morrer, perene,
Sem urgência, de eternidades supostas:
Parece transcendências, mas já estão mortas.
“Se Deus quiser, abrir-se-ão as portas”,
Diz ele em quase-oração, maleável,
E, como se nascer bastasse,
Esquece, fenece, no dogma do irresponsável.
Como se morrer bastasse para a vida ser
Notável.
(Publicado no livro "Coletânea de poemas", III Prêmio de Literatura, Editora Edufes, Espírito Santo, 2016)