terça-feira, 17 de junho de 2014

Nascimento




I.

Hoje eu acordei!
Só, mas não apenas,
Hoje eu acordei, sozinha. Me naturalizei, sob os múltiplos sóis da janela.
Hoje acordei sozinha, despertei o despertador que me apartava, descobri o anzol que me aparava:
Eu estava sozinha, sozinha, como um diminutivo carinhoso da solidão, sozinha,
Só, mas não apenas.

O silêncio se fez presente e o desembrulhei com a expectativa de quem espera há muito o caminho para a integridade, a soltura sob a luz, a abertura.
Uma imensidão de mundo tomou-me, o espaço tornou-se amigo, abrigo cheio de ar, combustível do fogo que há. A imensidão do mundo tomou-me, fui delicadamente sorvida, morna, fui curada da ferida, aquela que ontem me fazia dormente.

Hoje eu acordei.
Desfizeram-se os imóveis travesseiros de minha travessia e
A vida, inteira, fez-me companhia.






II.

O tempo poderia ser mais do que uma espera? Mais do que hora que prossegue? Mais do que o jogo da memória? Mais do que a aposta na demora?
Sim, o tempo é agora.

Joguei as penas que me pesavam no precipício: logo joguei-me atrás delas,
Descobri que as penas não me pesavam tanto - respirei um riso branco -
Eram companheiras das asas, e dos olhos a água de quem vive este tanto, esta águia, este canto,
Matéria de anjos questionadores.

A fundura da vida mede-se pela distância que estamos da terra?
É preciso crescer, aterrissar, morrer?
Morrer é ser semente, semente da vida mordente na continuação, é ser um lembrete?
Uma metáfora, um macete?

Deus?


A vida, contínua, vazia-me companhia.