sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

      

 Eu fui ver o pôr do sol: 
 mas pra mim o sol nascia, pois
    fui ver o pôr do sol 
    e vi que a paisagem me assistia.
 -
    Depois, já era noite, por pressuposto,
    mas eu estava dia pleno, Japão,
    pois fui ver o pôr do sol
e se pôs a solidão.












terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Terra






Quando eu morrer não me deixem num caixão,
Deitem-me na terra, meu colchão e cobertor,
Sejam diretos, não me deixem esperar mais
Para voltar à terra.

Nua e crua, cubram-me de terra,
Deixem-me servir à outra natureza que não é mais minha.
Deixem-me servir à terra, quero fazer parte, não guardem os meus ossos em gavetas,
Deixem-me servir.

Deixem-me servir sem saber.

Deitem-me na terra,
Sem caixão, sem caixinha,
Deitem-me na terra, 
eu estava esperando por isso.


Podem festejar.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Poesia visível




Há muitos modos de fazer poesia. Eu diria mais, diria que há muitos modos de refazer a poesia, em palavreado e poema, posto que ela já esteja feita, à disposição, mas rarefeita diante das preocupações do mundo prático, das necessidades de subsistência, e do mundo aparente. Sendo assim, eu retifico a frase inicial: há muitos modos de fazer poemas, para refazer a poesia que está sempre pronta.
Uma das formas é partir de algo importante, pode ser um tema (pessoal ou universal), um acontecimento, uma experiência (interior, exterior, anterior ou posterior) e (d)escrevê-lo em imagens e metáforas, em palavras outras, com a intenção de captar a essência ou lição primordial do tema, acontecimento ou experiência, buscando a síntese em poucas palavras, ou em muitas palavras deixar-se levar pelos desdobramentos possíveis de fazer sentido; assim expandindo e/ou contraindo o ponto inicial de partida: para chegar aonde já desconfiava e desejava chegar, ou ser surpreendido pelo desenrolar dos significados (que são donos de si - e de ti, muitas vezes).
Outra maneira é partir de um signo simples, opaco, material, e extrair dele outros significados, sentidos maiores que ele, histórias contidas, descobrir sua(s) simbologia(s) e transparências através das figuras de linguagem, metáforas, hipérboles, comparações... É como tentar pegar o espírito da coisa, sabe? Tentar dizer o indizível, ser inaudito. Fingir que algo é inaudito é parte da emoção de descobrir o óbvio. Tentar dizer o indizível é tentativa e tentação, assim é a escrita do irresistível.  
Há poemas que são dedicados a alguém, como homenagem, e há poemas que só puderam existir através da existência de determinado alguém e a nós foram dedicados, para que o escrevêssemos. Há aqueles que são as duas coisas. Há aqueles puramente inventados, criação pura, vindo do nada. Há as grandes brincadeiras de sentido e som. Há a descoberta de palavras. Há a revelação de segredos e o convite dos enigmas.  Há as minhas ideias e há as ideias que se expressam através de mim.  Material, imanente ou transcendente, dependendo do ponto de vista. Escrever assim pode ser um exercício literário e letra, pode ser uma manifestação do espírito ou a espiritualização de uma experiência concreta.  Pode ser um insight imediato, pode ser um trabalho artesanal e medido, podem ser as duas coisas, em ordens diferentes. É bastante coisa, e é preciso organizar. É fluxo e ordem.  É a suspensão da dualidade que dilacera a existência, é a solução, é maravilha, momento e eternidade que se pode ver.



Há muitos modos de fazer poesia, mas a verdade dela já está feita, mesmo quando rarefeita - assim como eu, ignorante tentando me fazer e já estou feita, prescrita à liberdade.