sábado, 24 de novembro de 2018

Mensagens do possível velejador





       Enterrei o meu sonho, e acharam que eu estava velando um morto: eu estava plantando uma semente, içando a vela de um barco, no porto, ganhando corpo, me inspirando com as mensagens do possível velejador (eu podia ouvir a sua outra terra à vista). Acharam que eu estava chorando. É claro: não se pode evitar que brotem nos olhos as lembranças do mar, especialmente durante a plantação dos barcos - sementes buscadas nos charcos, nas telhas, nos chamados das abelhas, nos pássaros de asas quebradas também, eu vou lá, carregar a centelha da navegação, na panela a boia fria e a carne de sol. No sonho o jejum e a fartura de peixes, que pularão em minha rede, para que eu os devolva ao mar.
      Eu não estava chorando, eu estava regando a terra, doce inclinação, enquanto do lado de dentro chorava a vela, lágrima dura e quente, longa e escaravelha promessa do meu corpo na caravela, eriçado velejar, sal correndo nas veias. Quem me olha as unhas de terra não sabe que pertenço ao mar, ainda criança dei a luz a um peixe, em segredo, mãe e esposa de marinheiros. 
     Caminhei por essas terras plantando barcos desde muito sempre, e essa é a primeira vez que acontece, assim, a navalha do futuro cortando água, a brasa do sal sendo refresco: olhei calma para o horizonte, e pela primeira vez, meu barco não virou.
  
      Virei a mesa do passado. 

      A vida reflorestada, sombreada e fresca - com os cabelos ainda escuros. Que interessante, vou clareá-los sob a vida marítima.

      Meus barcos estão cheios de flores, minha árvore está cheia de peixes. E isso nos mostra que aparentemente nada está resolvido, mas o sal está dissolvido na água do mar (e mesmo assim não deixam de existir as suas implicações), bem como o sol que brilha na lua: por isso já parei de crer apenas na aparência das palavras, elas nunca estão nuas, e tudo bem. Parece divertido, a procura por razão, sem guardar mágoas de interpretação. 

     Não tentem me convencer de nada, enfim nadarei, eu também não tentarei convecê-los, afinal convém a cada um sê-lo e não selos. Cuidado com a tentação.

       Prevejo fortes ondas de sugestão.