A semente revira dentro da terra,
De um lado para o outro, quer sair da terra.
Faz um terremoto, escarcéu.
Mas calma.
Sabe que não pode sair semente, tem que sair planta.
Tem que sair de si primeiro.
Tomar a decisão como um refresco.
De manhã acordo antes dele, praticamente sou eu que o
acordo levanta, levanta, sol, que eu não me aguento, esses tons roxos já me
cansam, marcam-me ao redor dos olhos, vou definir o infinito, levanta, levanta,
sol, que eu não me aguento, em sua nuca durmo. A lua brilha em mim à noite inteira, sem escuridão.
Levanta, levanta, sol que eu não me aguento! Acordar antes do sol me dá
disposição para acordá-lo, mas também um cansaço... logo em seguida quero voltar
a sonhar (assistida) quando olho para o cenário e, de modo ingrato, desisto de participar.
Aí ele me levanta vertendo cores por todo o céu espacial, vamos, mulher,
avante, levanta, quem vai sustentar a luz? Então me levanto e ergo a minha
cabeça, não é da noite que eu tenho medo, é do dia. Preciso de um papel,
sempre, sempre, papéis, eles são a minha busca e minha devoção, por eles eu
busco, neles eu revivo, neles eu escrevo, deles eu fujo (Sociedade? Que é isso
de sociedade? Eu não assinei nada. Onde estão os meus papéis? Perdi meus
papeis.), preciso de um papel sempre, que me escorrem os líquidos, perco o
contorno.
O sol pesa depois do meio-dia, não sei por quê, é o peso da
vida (da dívida?) sabe, o ângulo do dia? Quero deitar, atravesso e sou
atravessada, minhas costas não me doem, é uma coisa no plexo que tenho que
sustentar para não se pôr cedo demais. O sol próprio. Me chama que eu sou o
fogo. O sol na cabeça me faz lembrar meu nome, levanta, o sol vai se pôr e você
não vai sucumbir, presta atenção, poeta, vaga-lume, vagamente vagabunda, o mundo é seu
chefe. Senta nessa cadeira, come um biscoito e finge de morta - os
vermes te lembram de escrever uma vez mais, e bem rápido, antes que Ela acorde
e veja que você está fingindo para obter privilégios e toda sorte de presentes
do lado de lá. Quantas vezes essa aqui já morreu? Vai trabalhar, coisa
viva! Às seis da tarde aguento firme, às
vezes não, é preciso deixar o sol cair, enfim vou mostrar a minha face culta de
dama oculta (dói deixá-lo cair). Dói deixar-me cair. De modo oculto obedeço a várias ordens, na
verdade sou bem obediente em agradar a todas, por isso alguns olham-me com
desconfiança e julgam as minhas amizades sintomáticas e fidedignas de notas de
cacau - sei que faz parte dos protocolos ser enigmática e não me entregar
decerto, ter certo aspecto de sanidade, salubridade, maternidade, essas coisas
incompreensíveis que devem ser ninadas todo o tempo, coisa mágica que some e
aparece. Eu peço e chamo agora a Relevância e a Discrepância, rainhas irmãs de
reinos frontais, eu chamo aqui Clarice Lispector, com todo o respeito - não se pode desistir de
uma coisa dessas. Eu clamo ao dente-de-leão e não se pode desistir de ser quem
é. Ah, é? Hora do café. Faço orações clamando a poetas, escritores, xamãs,
psicanalistas, neurocientistas, mestres ascensionados, orixás, e também a
amigos vivos, que não deixam de ser entidades de grande presença e falam
diretamente ao meu coração, obedeço a várias ordens e isso definitivamente não
é coisa fácil, por isso peço a ajuda, peco para que não me abandonem, mas isso
é definitivamente muito infantil, e já estou forte e farta: quem está na linha
de frente não pode amarelar, sucumbir à variação dos ponteiros. Algo me chama
para a linha de frente, mas as minhas pernas não estão tão fortes, preciso
fortalecer o centro da Vontade, fazer exercícios pouco usuais e de utilidade
perplexa, alcançar pequenas e grandes mãos. Esta vida tem sido uma grande
ventura, mesmo quando não o é, por ventura. Uma pequenina aventura, tão bonita,
preciso aguentar ficar em pé por mais tempo, sem deitar, sem dormir ou morrer
como uma flor esmagada. Elevar a vibração e diminuir a frequência com que
morro, sabe? Ah, esses armamentos me pesam, mas sem eles posso sucumbir. Terei
que treinar, exercitar as pernas, manter-me de pé, subir o morro, com os pés na
terra. É difícil estar no universo, é tão vasto, infinito, discrepante!
Fascinante! (Eu sou babona de deus, não finjo bem normalidades, confundo
temperos e temperanças. Tudo é lindo!) Firmar a cabeça no eixo da coluna
estreita e única, aguentar o peso do céu seguindo a estrela até soltar. Se eu
me fortalecer diminuirá o peso, então poderei correr um pouco, a terra firme em
bons sapatos, dançar dentro e fora deles, me firmar no firmamento.
E se me envolvo em ares de bruxaria poética é para que eu
possa escrever sobre o improvável, ousar compreender o ininteligível ou o
proibido, ou sobre o que eu me proíbo ou penso que me proíbo: curar o que eu
entendo. Assim: eu reverto a situação bruxuleante usando o que está contra mim
a meu favor, de modo que tudo que inconscientemente eu me proíba, eu reverta em
propósitos de mexer no que não se mexe, ou mexer onde todos temem ou deveriam
temer (ou não deveriam temer), no que eu mesma temo: afundo as mãos na magia da
autorização e rio na minha própria cara de concha. É uma estratégia de burlar
limitações, transmutando-as em direitos plenos, é alta magia. Vinda do alto e
para o alto, sem mãos ao alto que estou dentro da Lei, esse é meu estilo, quem me conheça que me compre. Durante muitos anos evitei os assaltos, e tive
muitos sobressaltos, evitei os roubos e tive muitos arroubos, obtive ameaças
antes de me saber ameaçadora, baniram-me de onde nem tinha ido! Esgueirei as
paredes do policiamento, sem culpa no cartório! Ah, estou farta de ficar presa
sem crimes, que agora Eu Sou e vou à casa da fartura.
Mas para isso, máscaras, personagens (genuínos, é claro, que
sou profissional): papéis, ah! Descobri que se eu não escolher meus papéis,
outros escolherão por mim, sem eu querer. Então, não tem jeito, vamos à roda.