quarta-feira, 30 de março de 2022

O princípio da liberdade e o pressuposto da pequenez

 

     

 

    Nesses anos todos de trabalho artístico, de trato com a poesia e com as representações, com o teatro, a dança, a música, a palavra, todo tipo de beleza narrativa, simbólica, rítmica, percebo que evito ao máximo servir à ideologias, filosofias sociais, políticas ou religiosas (dogmáticas). E quando eu digo servir, quero dizer servir prioritariamente, porque, é claro, que sirvo a determinadas ideias, mesmo que não as nomeie. O que eu quero dizer é que não farei da arte uma bandeira, dessas que se conhecem, ou de outra coisa que não seja a própria arte de estar vivo. Prefiro deixar o campo aberto. 

    Obviamente me afeiçoo a determinadas ideias, éticas e simbologias (escolhas!), e que elas aparecem de modos indiretos, sutis no trabalho todo como parte da vida, e até de maneira direta, se for o caso, mas não gosto de ter o trabalho confundido com ideologias, pois afinal gosto de servir à variedade da existência, e posso mudar de ideia sempre e posso também estar brincando (principalmente!). A coisa é ser livre. Ao menos mais uma vez. 

    Mas... ao mesmo tempo, e por isso mesmo, não posso deixar de criar parcerias por receios excessivos de controle, que tudo existe! Deixar vir à mim o que é para mim e no caminho eu explico. Vamos fluir um pouco, sem ser porta-bandeira, ok? 

    Tranquilidade. 

-------------------------------------------------------------------------------------

    

    Eu não sou obrigada a explicar os motivos da poesia, não escrevo para mudar o mundo, que sempre irá existir um pouco de tudo. O poema é um lugar. Dentre todas as possibilidades que existem. Tudo é possível, e sempre existirá um pouco de tudo. O que fazemos é servir mais a uma realidade do que a outra, sustentando o que acredita-se. Sempre existirá um pouco de tudo. Eu sou babona de deus, vocês sabem, e por isso subsiste em mim momentos de amoralidade e afeição pelo não-julgamento e suspensão da dualidade bem e mal - não é seguro, claro, mas deus me conhece e sabe que eu acho tudo lindo, vai me ajudando. Momentos contemplativos que fazem emergir a intuição e o princípio da não-interferência. É O MOMENTO DA CRIATIVIDADE. 

    Eu falo isso tentando ser o mais realista possível, de modo literal, a modo que todos gostam, mais literal e realista. Pois de maneira realista compreendo que as minhas ações são parte infinitesimais da contribuição geral para possíveis realizações, e essa consideração e consciência de ser infinitesimal na contribuição é justamente o que motiva a continuar a contribuir. E, ao contrário do que possa parecer, é um realismo positivo, que faz com que eu atue sem a necessidade de necessariamente colher qualquer fruto específico de mudança, pois quando atuo na intenção de mudar o mundo, desacredito, e caio inapta, arrogante e imóvel no chão. O acolhimento da pequenez torna a ação possível, em si!