segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Minúcia










Já era mais de meia-noite
quando seus pés caminhavam
- doloridos e desconfiados -
na ânsia de uma cama.

Enquanto isso,
outros pezinhos - de leve
a seguiam.

Rugas na testa pendiam
a controlar os olhos que ardiam
de sono em excesso
de luz.

Enquanto isso,
outros olhinhos - no escuro
Fosforeciam,
e com certa obstinação
àqueles amoleceriam.

Um roçar suave nos tornozelos
Estancou os seus passos
e ao olhar para o chão,
um ser vivo pedia um abraço.

(Aos poucos,
a olhar a lua que ria,
tornar-se-ia
ser vivo também.)

Num colapso da razão,
e com a ternura num crescente
arranhões pelo medo
de delicada penugem que se sente.

(Ignorou seu próprio banho
ao amar tal criatura
de odor tão estranho
- e achar tão bom! -)

À sua condição maternal
revelou-se anti-natural,
antes assim do que da mesma espécie
Animal.

Não era seu,
o leite a jorrar na tigela
- Mas era -
Dava-lhe, pois, longa vida

Ao longo de todas as sete.

Entre ronronares e minúcias
Escapou, deixando-lhe uma porção de astúcias.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O caso do vestido - Geyse Arruda

Era caso, no máximo, para cair nos patrulhamentos de estilo e aparência, nos reality shows que proliferam vendendo a ilusão de que todos podemos nos adequar esteticamente aos padrões vigentes sacando o cartão de crédito e transformando em beleza certificada a abstração do dinheiro. Era isso, no máximo. Mas virou questão de segurança, e a polícia teve que escoltar Geyse Arruda em sua saída da universidade.
A cena gera muitas questões, apesar da sua aparente banalidade (ou não?). A extravagância – ou apelo à sensualidade – da moça foi punida com uma reação em cadeia. Nos programas de TV e de rádio, foi expediente comum os jornalistas incentivarem estudantes da Uniban, ou mesmo os ouvintes e espectadores, a se manifestar sobre o assunto. Era caso para isso? Obviamente, não poucos tentaram justificar o ocorrido comentando a inadequação da vestimenta da moça. Então, vamos a isso primeiro.
Muito se fala do poder e da liberdade da mulher contemporânea, em suas conquistas quando comparamos o papel social feminino em relação ao que já foi anteriormente. Mas em um aspecto, creio, a mulher ainda sofre as mesmas cobranças – talvez mais – do que no passado: a sua aparência. As “maravilhas” da ciência, parece, vieram complicar um pouco as coisas... Diariamente nossos olhos são invadidos por “modelos de perfeição” inatingíveis, corrigidos pelas mãos de esteticistas, maquiadores, cirurgiões, editores de imagem e por aí vai. Desde pequenas, assistindo a programas de televisão, vendo as revistas em bancas, as meninas espelham-se em imagens de garotas que nunca têm um fio de cabelo fora do lugar, nunca transpiram, nunca engordam... Quando enfrentam as mudanças da adolescência, é fácil que se sintam frequentemente inadequadas e queiram se aproximar daqueles modelos. “Magra, linda e feliz” é o que as revistas de fofoca colocam como subtítulo das fotos das “mulheres bem-sucedidas” em destaque na mídia. Toda essa digressão porque a imagem de Geyse Arruda nos noticiários conota um esforço para enquadrar-se nesse padrão, que se opõe à ideia de “beleza natural”, “espontânea”. O desejo de ser bela, poderosa, provocante – como qualquer adriane galisteu dos shows televisivos – parece ter moldado o figurino da estudante.


De um lado, a femme fatale que, vestida para a balada, abalou. De outro, os colegas e funcionários da faculdade que hipocritamente se sentiram no direito de mostrar (ou forjar) indignação. Se ela existisse, seria porque todos consideravam que se vilipendiava um sagrado templo do estudo. Pois é, o que inviabilizaria o coro de gritos e palavrões, e o tom geral de “estamos matando aula” dentro do referido “templo”. Talvez, de forma injusta, eu vislumbre nesse ato de vandalismo o indício de um respaldo da universidade ao comportamento dos alunos, ou melhor, clientes. A educação, tratada como mercadoria, tem recebido o aval oficial do Ministério da Educação, que observando o fracasso do ensino fundamental e médio nas escolas públicas, faz vistas grossas aos “atacadões” de ensino superior particular. É como se fosse um pacto: nós, universidades particulares, oferecemos preços razoáveis e deixamos todos os jovens (que puderem pagar) ingressar em nossos cursos, sem exigir qualquer competência acadêmica prévia; vocês, do governo, fingem fiscalizar nossas práticas. E dá-lhe demissão de professores doutores após reconhecimento do curso, dá-lhe bibliotecas “alugadas” para agradar ao MEC, dá-lhe ausência de planos de carreira para funcionários e esquemas de facilitação para manter os alunos ativos, pagando mensalidade. Não admira que o ocorrido demonstre o quanto os nossos jovens estejam incertos sobre o sentido da educação, do respeito e da democracia.


Texto extraído do blog  O Casulo, link:         http://o-casulo.blogspot.com/

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Conectividade

Saudades rudes
Impaciências grosseiras
Menina suave.


Olhos verdes de ódio
Cílios de um prazer azul
Pálpebras preguiçosas.


Tanto assunto
Num teclado sem letras
Sem perfumes
Sem suor
Nem bafo.


Um vídeo
Uma voz
Um e-mail


Tudo ao meio.

sábado, 21 de novembro de 2009

Céu aberto

"Você tem um clima bom", disse, completamente apaixonada por aquela beleza simples, pelo sorriso franco e jogado, pelos olhos nunca vistos tão claros, mesmo sendo escuros. E ela não dizia quase nada, bastava sua presença quase despreocupada, seu cabelo preso com o elástico o mais frouxo possível, seu rosto sem maquiagem e brilhante pelo calor. Enquanto ela simplesmente esperava a próxima hora chegar, inspirando devagar o presente, assistia ao meu desespero ao perder o controle das horas... e espera, com toda a compreensão, que eu me aquiete, e espera sem saber que espera. 
E sem perceber, virou poesia.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

N coisas

Silábica extremitante
vogal seguida de bocejo
perna, ossos e braços
nada que tem fim
tudo que tem direito

direito tudo que tem esquerdo
suponho tudo que tem desfecho
ai como sinto falta de andar
andar naquelas ruas descalço
pois já ia voltar rápido pra casa

só de tarde ia sair e arrumado
eu era feliz, hoje ainda sou
e até mais com todas essas
novas formas de percepções
mas era uma felicidade diferente
uma diferente feliz idade

                     
                  Gabriel Moraes, também fotógrafo

http://www.flickr.com/photos/brielmoraes/

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

"Quando entro em contato com tais assuntos, não me admiro mais de que haja tantos loucos e birutas no mundo; me espanto é de ver o grande número de pessoas que conseguem ser mais ou menos normais e viver dentro de certas regras, beijando as mãos das damas sem mordê-las e deixando um automóvel passar sem lhe jogar uma pedra."

                                     Rubem Braga,  trecho da crônica "Amemos burramente"

sábado, 7 de novembro de 2009

-A moça aceita um suco?
-Tem de quê?
-Abacaxi e salada de frutas.
-Me vê um de salada de frutas.

...
-Então, moça, tá gostoso?
-Está muito doce...
-... E isso é bom?
- Não sei, não consigo explicar...
-
 

-
-

domingo, 1 de novembro de 2009

Jantar envenenado

                                               texto do meu grande amigo Carlos de Souza, poemado em conjunto.



Vivem pessoas hipocondríacas.
Há um ambiente úmido e fedido
para as suas salivas propagarem

Com suas exalações  altas,
Dramáticas
e misericordiosas
Para os que querem

Experimentar esse veneno
Salivante de vozes
Berrantes
Clamando pelo horror
e ao mesmo tempo

Pelo esplendor Horroso.

O convite não é feito:
as aclamadas vozes sobrepõem
a sua penosidade em favor
Da arte dramática.


A Sua participação é neutra.
Como veneno de morfina:
Não mais a dor senão apenas a mente para entender o sofrimento.

E a praga instala-se.




(Em você?)




(Em você.)