sábado, 26 de dezembro de 2009

Sobre o molhado... a sede

As pessoas podem ser classificadas a partir das bebidas que tomamos com elas. Afinal, não se toma qualquer coisa com qualquer um...claro que essa escolha nem sempre é consciente, mas há sempre aquela pessoa que tem tudo a ver com a espiritualidade que traz tal líquido.

A começar com um exemplo curioso: só há um apessoa com quem compartilhei a mistura café quente com limão e manteiga (em pequenas doses, é claro), e essa pessoa é a minha avó. Segundo a própria, essa mistura (exótica) era um santo remédio pra tal da rinite, da qual eu tinha crises horríveis (mais horríveis que o café com manteiga), então lá estava eu sempre a tomar o tal café/xarope. E minha avó me acompanhava,  não por ter rinite, mas para me encorajar. E não é que por fim acabava  ficando até gostosinho o tal troço, e minha avó se esforçava para segurar a careta e eu nem um pouco. Isso nos unia, enfim.

Há na bebida, quase sempre, um sentido de união: compartilhar o canudinho; beber no mesmo copo; brindar à vida; mobilização de todos da mesa quando por acidente derrama-se o líquido que escorre para o chão; açúcar ou adoçante?

Vejamos o caso da cerveja: aquilo, definitivamente, não é gostoso, se levarmos em conta o paladar amargo; no entanto, determinadas pessoas conseguem transformar esse líquido gelado em cálice divino. São as que tem aquela presença filosófica, que se intensifica ainda mais, transformando o ato de brindar em religiosidade. Aquelas que bebem a mesma quantidade, no mesmo espaço de tempo, respeitando a sintonia da conversa, corporal ou literal. As pessoas para se beber cerveja são as  capazes de mudar o sentido da rotação terrestre - ou colocá-la em seu lugar.


Ah!... e as acompanhantes para o chá... chá quente, no caso. Abrindo aqui um parênteses, tomo nota de certa artificialidade que há no chá de saquinho, aquele que vem em porções indeividuais e que é sempre um mistério o conteúdo do simpático recipiente - alguém já experimentou abrir um? Por isso, apenas meio viva! à praticidade. Essas pessoas - enquanto estamos a dividir o líquido fumegante - nos transmite a efêmera sensação de calma e tranqüilidade. Impressão errônea. Essa reunião para o chá é apenas uma maneira de acalmar a água fervente  que borbulha dentro de nós, e também de controlar nossa brutalidade física treinando em xícaras de porcelana. Sorvemos o chá e evaporamos segredos.  


Já experimentou chamar alguém para tomar iogurte? Os iogurtes são engraçados, especialmente na hora do bigode tão característico e essencial, aquele que vai fazer a sua companhia rir e tentar te avisar de tamanho descuido. Se quiser chamar alguém para esse tipo de bebedeira, prefira aquelas que não dispensem um bom passeio pala infância -  que pode ser de morango, frutas vermelhas ou pêssego - e queira rir e gargalhar com as cordas vocais amaciadas pela lactose.


Pois vamos então aos destilados, essas bebidas alcólicas extremamente ácidas para o estômago e básicas para os corações. A primeira dose nunca é aclamada sem que - ao menos - uma das partes participantes deseje quebrar ou criar rachaduras nas moralidades paralisantes... a seu próprio favor ou em favor dos favores do outro... Os destilados devem ser utilizados com moderação, devido aos potenciais, às vezes obscuros, que são capazes de trazer à tona. As pessoas para se compartilhar são as que te dão um  bom dia feliz no dia seguinte e/ou que saibam rir com sinceridade de todas as baboseiras sinceras ditas no momento em que as doses foram abolidas e o gargalo tornou-se a medida exata. 


Poderia ficar dissertando durante páginas e mais páginas seguidas sobre líquidos interessantes, refrescantes, aconchegantes, até preciosos, tamanha é a  variedade de seres humanos e a necessidade deles em se hidratar. Desde a tão capitalista e prazerosa coca-cola até aquela água de torneira pedida no bar em dia de calor e de falta de moedas; ambas tomadas sem real conhecimento do que estamos a ingerir... entre milhares de outros líquidos conhecidos e deconhecidos... que enfim não daria conta!

Mas não poderia deixar de citar o que é exceção entre todos. Tomada em porções pequeníssimas e singelas, milimétricas...salínicas eu diria; costuma-se não ser compartilhada na degustação, por ser bebida customizada. Preferem-se os tecidos macios a tolherem os seus excessos, travesseiros, lenços, golas de camisas e similares, jamais o copo: eis aí as lágrimas. Fabricadas quando inevitável mar aquoso invade os olhos de sede, depois de tantas bebedeiras ou não.


                                                         Saúde!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Questionário

  Sempre há um certo incômodo ao tentar responder à pergunta: " POR QUE VOCÊ FAZ TEATRO?". Como organizar e exteriorizar concretamente em palavras algo que se sente e isso basta?
  Ao ouvir tal pergunta tenho enorme medo de me trair, pois os motivos não se resumem um uma resposta e sim num grupo de conjuntos diversos de respostas e sentimentos e prazeres e vontades revolucionárias. E então me embolo toda e não respondo coisa alguma! Mas afinal, por quê?
  Vou tentar responder, mas antes preciso explicar que antes teatro pra mim era uma coisa, e isso no sentido em que eu via uma coisa só, e com todas as ampliações de percepção que ocorreram  esse ano, percebi enfim sua multiplicidade, gerando um entendimento dos recursos do imaginário.
  Em primeiro lugar, fazer teatro é a maneira que encontrei (uma das) de expandir toda essa imaginação que faz parte de mim; de transformar em realidade momentânea idéias mirabolantes; de viver além da vida; de ser mais do que sou e voltar à realidade sempre diferente de antes.
 Em seguida vem a vontade de revolução, a fé na mudança pela erte, indiretamente. A vontade de soltar o nó da garganta, gritando sutilmente coisas que insistimos em não ver... ou nos ensinam a não ver... e fazer isso com gritos belos e nem por isso fracos. E pensando isso como questão social mesmo, melhor dizendo, humana,  como porta para reflexões críticas e modificações concretas no di-a-dia de quem vê e faz.
  E por fim (nem tanto assim...) percebi que o teatro é uma das maneiras que escolhi para lidar com a arte, assim como me é a literatura. A arte como artifício de desenvolver prazer, atitude e generosidade. Por ser uma arte que nasce da tentativa de ser completa, por sempre haver a possibilidade de unir sonoridade, plasticidade, corporiedade, literatura, imaginação e possibilidade de realidade, enfim.


domingo, 13 de dezembro de 2009

Poética

                               de Manuel Bandeira, 


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


                        

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Gerenciamento de dardos

Oh! Insuportável retidão
que te espreme
ante muros de Berlim.


Sorrisos brancos
delicadamente pelos fios dentais
Antes a mordida.
Antes a fome.


Ah! Inalterável honestidade
casta:
recomenda-se aos cachorrinhos ao nascer.


Oh! Insuportável retidão
nunca abandone o guarda-chuva
ácido de um sermão...
e dos meteorologistas a previsão!


Viva dos frutos com moderação:
afinal,
das sementes
no estômago árvores crescerão...