segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Novidade anual

                                                                                    Lucas Alves



Tudo aquilo era novo para Otávio, até assustador. Muitas as pessoas na areia, massa avançando constante em direção ao mar. A luz da lua, branca, contaminava as vestes das pessoas: uma multidão enluarada esperava a meia-noite.


Otávio não. Otávio queria correr, sair dali e se esconder. Aquela não era a sua seita. O menino sequer sabia o que era uma seita, veja bem. Só a mãe poderia salvá-lo, ela que sempre sabia as soluções, todas. Dessa vez, porém, ela parecia não respeitar as angústias do filho. Ele pedia socorro e ninguém o ajudava. Seria castigo? Mas qual o pecado? Era muito o medo; tudo em volta acenava com hostilidade. Buracos cavados na areia rodeados de velas, flores lançadas ao mar, garrafas estourando.


Todos os barulhos eram ameaças, cercavam Otávio indefeso que só podia se agarrar à mãe. Mas ela impassível, imagine, a mãe impassível naquele aglomerado nocivo. O menino chorou, então, pois esta costuma ser a medida prática mais eficiente nesses casos agudos. Os berros do filho logo receberam alguma atenção da mãe. As lágrimas não, que essas não existiam. E choro sem lágrima, para quem conhece a paternidade, deve significar de pronto: manha. Tanto foi que Otávio ganhou bronca; carinhosa, claro, a ocasião era festiva. O menino empoleirou-se no colo da mãe e sentiu-se mais seguro. As mães sempre solucionam.


Veio, entretanto, o estopim. Este realmente um sinal de susto, barulho alto vindo do céu. O perigo enlaçou o garoto e apertou suas costelas até vir o grito genuíno. Agora sim, acompanhado de muitas lágrimas. A lua logo sumiu, escondida atrás das explosões que irrompiam na escuridão até então tranqüila. Todos ao redor extasiados em alegria, comemorando e brindando àquela profusão de estampidos barulhentos. Otávio não compreendia, pensava estar num sonho mau; aqueles sorrisos certamente eram frutos de um pesadelo.


Apegou-se, assim, a esta suposição. Estava dentro de seu sono, logo mais acordaria e as assombrações desapareceriam do mundo físico. Mas enquanto isso, que faria o garoto? Grudou-se ao corpo da mãe, que acariciava seus cabelos. A crueldade dos sonhos está em provocar sensações. Otávio aconchegava o couro cabeludo nos dedos dóceis da mãe e se espantava com a qualidade da sua imaginação; era real demais. Tamanho era o realismo daquele mundo onírico que até calafrio provocou. A mulher depositou sua cria à beira do mar – frio – e pegou-lhe a mão. Ele tão pequeno, as dimensões delicadas.


Otávio acolhia as marolas em suas canelas finas e se acalmava; o pesadelo ficara para trás, dali só se via o horizonte azul-escuro. De repente a mãe saltou a primeira vez, o filho a imitou. Então a segunda, a terceira, a quarta. Ao todo sete. Pularam sete ondas, iluminados pela luz intensa dos fogos de artifício. Ela agachou-se até a altura dele – as saias molhadas nos joelhos – e beijou-lhe a bochecha direita, a esquerda, a testa e o queixo.


- Feliz ano novo, meu filho.

2 comentários:

Lucas Alves Ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lucas Alves Ferreira disse...

Gente, fico feliz com nosso intercâmbio!