Não devia escrever sobre o amor. Eu não sei falar de amor,
na verdade, odeio palavras de amor, todas com o ar de impossível, inalcançável,
lembrança! Expressões envoltas num clima etéreo, não-cotidiano, celestial e sem
pecado! Novelístico! Odeio palavras de amor, são pequenas, ínfimas dentro de
todo sentimento realizado, sentido, lascado, compartilhado, respirado, o amor
não merece síntese, não merece sentença, verbo, é inenarrável. Quando escrevo
sobre amor, falo sobre ele, sou traíra, homicida. Perdão. Não deveria escrever
sobre o amor. Quando calar, escute-o.
Que gosto tem o sabor da sua
noite? Dá gosto comer, não como. Imagino, impossível satisfação, sem
frustração, meu amor, não vou comer-te. Aperte-me quando chegar.
Ao olhar, aquele contraste de sua
pele com seus pelos, ser de contraste, um desenho, quase uma gravura, assim, de
longe, mas tão impactante como uma obra de arte, luz e sombra pela moldura da
porta. Há quanto tempo não achava um homem tão bonito, mesmo nu, corajoso nu,
com e sem pecado. Seus pedaços sem pelos: apelos catalisadores de toda atenção,
como uma distração, uma abertura para que possa passar a luz dos olhos, um
deixar tocar, de uma força e fragilidade conjunta, inseparável, que seguram-se
uma a outra. Surpresa suas proporções, de uma delícia dentro do conjunto
inesperado. Poderia olhar por horas bem
de perto - olhar alguém é contemplar sua existência - contemplaria sua
existência sem tocá-lo, por horas, como uma mulher paciente. Viveria pelos
olhos, que explodiriam verdes – e nunca maduros.
Seu cheiro, a quanto tempo alguém
não permitia-se exalar para mim um cheiro tão natural? Cheiro advindo de seus
hormônios frescos, afrescos, tão novos que quase doces, mas ácidos como a sede,
nuvem invadindo minhas narinas, meu
corpo, profundamente que poderia flutuar através da – inevitável – diminuição
da força de gravidade. O ar quente sobe, sabia? Respira fundo. Cheiro que me
invade, e tem a concessão, molha-me, derretida por seus vapores interiores, que
chamam para juntar, masculino – como se
pudesse tocar seu cheiro branco. Hálito, ar, vapor, transpiração, lembram-nos
que temos espaços vazios, orifícios em memória de um corpo remoto e que tem
fundo.
Que
gosto tem o sabor de sua manhã? Leite esparramado, esparrama-se por entre as
frestas, escorrega e volta a dormir.
Ao tocar, as cócegas. Primeiro as
cócegas. (Obrigado meu Deus por nos dar a pele, cobertura porosa, salvando-nos
das palavras, posto que são incompletudes). Primeiro as cócegas. A aura se
treme toda, ri, entende e deixa ficar, mistura das cores de luz. As palmas das
mãos procuram-se fazendo o caminho tátil mais longo, um amassar do outro, e se
amassem, algodão, pelos, derme, epiderme, rins, estômago, coração, o corpo
encontra-se em extensão, o abraço. Que para durar é preciso respirar em
quebra-cabeça, um inspira enquanto o outro expira, e vice e versa, quem começa?
Tatear na claridade, dançar o outro, que carne é essa que te escondes, e se
comesse e se amasse? Beijo seus lábios brasileiros, almofadas para os meus -
nos lábios é que descansamos da ansiedade da língua, que procura, procura,
cobra do sabor, sem dieta, serpenteia em/onde não é chamada, refresco e sal,
alternada. Aperta-me com força, masculino, direciona-me, conduz, como bom
dançarino, sem brutalidade adquire concessões. Encontram-se, enfim, os umbigos, aspirantes
de um susto.
Sua voz, doçura, doçura – ah,
isso ainda existe, lembra-me dentro do engano – doçura, doçura, açucarado som
macio entre masculino e feminino, de agudos a graves, entre feminino e
masculino estamos nós, meu amor, seres de amplitude. Doçura, doçura maciça, som
que no instante era apenas um eco, lembrança, expectativa, o pacto de silêncio
nos guardava de enganos semânticos, de impropriedades, de pedidos vãos, da
linguagem vã. O silêncio dos que não carecem de sentido, experimentando o
nascimento de um sentido. No silêncio o vento, o trovão, a nuvem escura e sol
que persiste; no silêncio o roçar do olhar, o dançar dos cachos, o convite às
uvas, o abrir das chaves e o fechar da chuva. Sem verbo, um ronronar escapa, um
suspiro, um medo, uma coragem, sem verbo, sem adjetivo – subjetiva nata de
palavras soltas (as rebeldes) que jamais chegaram a fazer sentido, pura
sonoridade, a audição negou-se a dar significado à canção – um assobio de brisa
sacudiu meu coração.
Que gosto tem o sabor da sua
tarde? Flutua nas ondas de minha língua de um sabor simples, não retoque, por
favor, fique assim, de sabor brando e silencioso, saliva que seca ao
vento, sol caído em mim.
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