I.
Conquistar consiste em convencer
alguém. Conquistar amorosamente alguém significa convencê-la de que você é
repleto de qualidades que trarão felicidade e bem-estar, convencendo o querer
do outro, o amor do outro, como preferir chamar. Na melhor das hipóteses, você
faz uso de suas qualidades reais, contudo qualidades que muitas vezes não são
frequentes, cotidianas, são características nobres que precisam ser lembradas,
que exigem certo esforço, ao redor de outras não tão nobres assim, e que nos
aparece sem esforço... Logo, para conquistar é necessária certa atenção nos
detalhes, certos cálculos, observações, astúcias, certa manipulação de si
próprio, até mais do que do outro, pois realmente acreditamos na presença
substancial das características eleitas para virem á tona e. Convencemos o
outro, de braços abertos os dois, você e ele, convencidos e convencionados! A
última maravilha, a perfeição, a união, o amor, enfim o encontro, enfim!
Com o outro e você devidamente
convencidos e conquistados a ambos – nível concluído – passa-se o tempo, não
anos, pouco tempo, e depois de tanto planejamento para conseguir o que se
queria e ter conseguido, crente de que o outro te aceita assim como você é, à
primeira ação de sentir-se à vontade : bomba! Escapa por entre as mãos algo que
você não queria mostrar ao companheiro, que descuidado, que distraído que você
é... Tensiona-se novamente, ao olhar de
estranhamento do outro, mantendo o equilíbrio do bem-estar. Mas depois de um tempo
lá vai você de novo, tranquilo, deixando escapar as suas qualidades cotidianas,
frequentes, naturais, não tão queridas – enquanto as características nobres de
propaganda para o romance são esmorecidas... E você enganado, também,
pergunta-se: onde está aquela pessoa que me compreendia e me aceitava? Está tão
mudado!
E ao mesmo tempo o outro
pergunta-se onde estão as qualidades que foram ofertadas, demonstradas como
naturais? E conclui: não era isso que eu queria, por favor, volte a ser o que
era antes, quero que seja como era antes, nos amávamos tanto, tudo era tão
bom... E agarra-se a isso, a essa esperança projetada, com todas as forças. E
você também agarrando-se ao que era antes, tenta refletir novamente aquelas
qualidades que exigem tanto esforço e esmero, quase que vive tentando entrar no
molde de sua própria criação, entrando no eterno labirinto de frustrações.
Desejando do fundo do coração o desejo que o outro te ame como você é, não
sendo como você é. E o outro esperando que você seja o que é, não sendo o que
é. A roda das frustrações. Quem mandou me convencer? Tu és eternamente
responsável por quem cativas, já ouviu falar disso?
A sedução compulsória torna-se um
desespero cego e incômodo, um eterno querer e não ter, uma inexistência, uma
retórica. Torna o amor uma invenção mental, ao invés de criação
em relação, torna-se uma mentira, uma fraqueza, uma hipocrisia, impedindo
descobertas verdadeiras em busca de causar
boas impressões. Seduzir é ignorar as tripas.
Por isso desejo não convencer mais ninguém. Cansa. Cansa demais ser interessante e
agradável sempre. Para sempre. Porque afinal de contas não sou uma
conquistadora barata, custa caro, não consigo ficar na superfície da carne, sem
cair nas profundezas da existência humana e sensual, sem mastigar todos os dentes
de leite do outro, sem mergulhar na existência, pois o corpo é o meio por onde
se expressa o espírito. Cansa agradar sempre, esperar sempre, procurar sempre, suportar
sempre, escutar sempre: apenas para convencer. Ser um doce, adoçar, mole, insustentável. Há
durezas, batalhas, silêncios esquecidos, que a excursão ao outro proporciona –
mas que não faz mais efeito, não mais é feito, considerado, satisfeito, quase
que não existe. Não se insiste mais, nem resiste. Deslumbra-se e depois
desiste.
II.
O que existe é o sexo, tão sem
sentido, coitado, posto que não é para sentir, é para mostrar(-se), para
desempenhar(-se), para performar(-se) apenas: para assistir, sintetizar,
concluir seguramente, sem percalços. E isso com a desculpa de deixar-se levar
pela própria natureza (parte selvagem), e permitir-se o corpo expressar-se (oh,
liberdade sexual) - o órgão genital expressar-se, querem dizer, o ego
expressar-se, querem dizer, uma maluquice absurda: os animais (salvo raras
exceções) unem-se para procriação, tendo no cio o desejo de perpetuação da
espécie e nós, seres humanos, usamos camisinhas em defesa nada selvagem. Em
defesa, a princípio, de gravidez e doenças indesejadas - seu significado
literal-comercial, no entanto, é também
o signo-metáfora da possibilidade de relações sem riscos, triscos, uma busca
pela abolição do medo, levando tudo à superficialidade segura, não apenas
física, mas também emocional e humana, levando as relações à perda de camadas,
facilitando e empobrecendo-as, inexistindo-as, frias, desconsideradas. E a liberdade
sexual torna-se, na verdade, um libertar-se a si mesmo das relações sexuais,
sensuais, dos sentidos, dos perigos que há na iminência do outro.
Não quero-preciso explicar-me
diante das doenças sexualmente transmissíveis, não há necessidade de lembrá-los
disso: outros o fazem, e já foi esquecido faz tempo, o medo agora é outro. O
látex nos convenceu que estamos seguros, e que as ações são ações sem
consequências e sem esperanças. Ações puras, como ações selvagens – ah, entendi.