Para Eddy Andrade
A chuva caía leve - por fim compreenderá.
Caíram-lhe das mãos escorregadias os utensílios pequenos, simplórios:
As moedas, os talheres, os copos, as canetas, os chaveiros, os livretos,
Os brincos, as navalhas, os abridores de garrafas, os supositórios,
Os anéis. As alianças não eram suportadas, nem mesmo pelos magnetos
Asseguradas. Desassossegadas
As aranhas tímidas do canto da parede pesavam como se a gravidade fosse
Deus.
Pesavam-lhe as coisas que em sua natureza leve antes estavam, e aéreas:
As aves e os insetos, alados, não suportavam mais alta atmosfera -
Caíam, espatifados. Não mais etéreas, quase sérias, as flores,
E as folhas todas caídas por terra, verdes e de uma só vez -
Faziam as árvores reinarem sem sombra de dúvida e incrédulas
Por haver tanta luz em outra estação.
E des-pen-cavam à sua presença o que era óbvio e próprio da
existência cair:
As chuvas e as maçãs maduras, as crianças imaturas,
Os seios e os insistentes anseios seus - impróprios e de nascença.
E quebravam-lhe, corajosos, o medo da quebra e da mágoa -
Sob seu olhar pesadíssimo, as verdades caíam em mesuras
De um prazer de doer a mentira no chão.
Por fim e consequência pura da
lógica (de)crescente
Vieram os ruídos pesados, vidros espalhafatosos, louças indiscretas,
A cair.
O caos dos móveis e dos telhados despencando em toneladas,
A cair.
As pessoas que tropeçavam no pó dos objetos moídos e a incredulidade de
tudo,
A cair.
Os carros sentados sob os pneus murchos, imóveis sob o chão,
Cortinas despencam, tudo é conhecimento e não há mistérios
Após ter sido dado poder à gravidade.
As águas esmagam os peixes.
E a respiração é de uma vez e engolida no silêncio.
Toda a lava voltou para dentro da
Terra.
Enfim, e só então, espatifaram-se no piso as suas dores e penas:
Seu único desejo era não mais desejar cair em si,
E no silêncio de um mundo todo caído, onde só há a sua alma sem peso,
Dos entulhos sair ileso.
(Publicado no livro "Coletânea de poemas", III Prêmio de Literatura, Editora Edufes, Espírito Santo, 2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário