sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Inventário


Eu já morei nas montanhas, no alto;
Já morei num arco d'um porão;
Na favela, num barraco à vela;
No meio do caos, inteira em cacos;
Dentro da floresta, na ponta da escuridão.

Eu já morei em outro país, tive paz
Em outro planeta, caí e sobrevivi,
Morei na rua, no chão estive no céu.
Eu já morei em alto mar, estive à deriva,
Já estive no controle, já me perdi.

Eu já morei na caverna e na cobertura,
Já dormi no capacho, na casa do cachorro,
Na cama do rei.
Já estive no casulo, já voei.
Já estive no fundo de um poço
E também no colo de um moço, lembrei!

Fiz tudo isso por um triz. 
Ah! Que vida, grande atriz.

Eu já fugi de casa, fui expulsa, fui convidada, 
Hospedada, abrigada, desabrigada.
Já fiquei pra fora, esqueci a chave, perdi dentro de casa, 
Pulei a janela, fiquei presa e quis ficar.
Chamaram-me para voltar, mandaram-me cartas, mensagens, 
Ligaram-me, imploraram, me desligaram, eu me desliguei,
Corri, atravessei a rua, viajei, fugi 
E quando olhei para o lado estava bem na minha frente, aqui.

terça-feira, 26 de setembro de 2017




 Porque o gênio é forte.

E é próprio dos sexos serem frágeis.
Generosos deveriam ser os gêneros 
e ágeis.

Porque o gênio é forte.


quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Mil canções

                                                           
              Para Sheila Sanches    

                  




Renascer
dessa palavra tecer
mil canções.

Renascer não é só verbo falado:
é um verbo alado alisando a transição,
o instante em que sou tecida pela canção,
um suspiro depois do morrer,
é o último fio da transcrição, é quando
mesmo torta, seguro nas linhas
e teço a canção tocando a página.

E tocar a página é mais do que tocar
a alma, é tocar a alma e percorrer o caminho
de volta à substância, em palavra renascer,
musicada.

Renascer é todo vir a ser da novidade
e é a verdade:
Renascer é o verbo eterno
onde eu toco a canção porque eu fui tocada
e retocada, e retocada, e retocada...








segunda-feira, 18 de setembro de 2017





Sombria e amiga do sol...
Sombrinha, amarga amiga!
Silva na selva, enquanto silva o sol na relva
Antes de fazer sombra a plantinha.











domingo, 17 de setembro de 2017

Floema



Soturna e noturna, dizem.
Sombria e amiga do sol, eu digo,
aquela que retorna e recobre de lodo as paredes
é a estranha mãe dedicada, protetora da beleza:
a que embolora os pães, é a mesma que os faz crescer.

Aquela que desequilibra os quadros, bate as portas, pisca as lâmpadas,
indiscretíssima no rangido dos portões que o desperta: é sonho
o amor perdido, o coco na calçada, a roupa furada, o medo.

A estranheza irá se apresentar,
a lata estufada, a pele sobressaltada,
o escândalo silencioso dos ossos tortos,
o fim,
(não se apresse)
estranhas aranhas de beleza inconfessável vivem,
como um fio desencapado à espera do choque (que virá)
daquele beijo de amor.  
Integre-se e relaxe, viva.
  
A estranheza ronda a todos nós e policia, mas
a incongruência está dentro da lei, senhores,
e hora ou outra escapa a indiscrição, um olho vesgo.
A estranheza, sei, é um disparo no coração do cotidiano
e no cotidiano do coração
(Continue caminhando dentro)
e às vezes não chega a ser um disparo, 
é apenas o revolver em cima da mesa.

Quando ouvir um disparo, segure o rojão,
saiba que o perigo está suspenso,
que o tiro é pra cima, olhe pra dentro.

(A que embolora os pães é a mesma que os faz crescer)



sexta-feira, 15 de setembro de 2017



O dedo na quina é certeza
Na dúvida do aplauso.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017




A vida é
A vida é mar
A vida é mar é
A vida é mar é imenso.

Serei
Serei a
Serei aquela que navega ou nada?