terça-feira, 31 de janeiro de 2012

De um sumiço breve

Percebo que escrever sempre foi, para mim, uma maneira de viver, de viver de várias maneiras, de tentar compreender a vida e criá-la. A minha maneira de não ser só observadora, que é como de certa maneira me sentia; escrever começou um registro, para tornar-me uma observadora ativa dos movimentos e imprimir essa observação.

Escrever, com o passar do tempo tornou-se o meio de expressão mais livre, uma vez que o caminhar no mundo não se apresentava como muito passível de escolhas próprias. Tornou-se um desvendar e guardar segredos. Tornou-se um pesquisar de possibilidades para além dos limites que se apresentavam, quase científica mesmo, porém poeticamente científica – se é que poderia ser de outra maneira.

Deparei-me com a poesia como imagem, como pintura, lente de aumento, reprodução, criação e tradução. Encontrei sua arte, indo além da gaveta e do que era só meu. Tornou-se interdependente à vida e eu começava a caminhar independente sobre o espaço além das palavras. Desenhar usando as palavras tornou-se êxtase.

No entanto, o que antes (aparentemente) me ajudava a organizar causou-me efeito contrário, pois para as criações poéticas era necessário remexer em coisas que fedem e queremos esquecer ligando a tv, verdade íntimas e do mundo que tornam necessária a ilusão, mas que desmentem todos os trilhos necessários por onde se intencionava caminhar a vida e a sensação de estar perdido é inevitável, juntamente com a sensação de engano e falta de sentido de muitas coisas concretas. Quanto melhor e mais profundo o escrito, mais desorganizado meus pensamentos práticos da vida real: invenção.

Sem contar o fato do meu eu-lírico muitas vezes  ser bastante fatalista, revoltado, agressivo e destrutivo. Feminista e destrutivo. Que se camufla por entre as flores, pelúcias e orvalhos nos poemas. Há esperança, mas ele acredita já negando. E põe fé na imobilidade e na preguiça, puxa! Enfim: nada prático e muito ansioso. E então, mesmo sabendo que nele há toda a razão (paradoxalmente), resolvi experimentar a ação prática cotidiana, herança teatral, como não poderia deixar de ser.

Experimentar essa ação prática foi justamente viver no espaço presente e real, desviando das dificuldades, orgulhando-se do que alcançava, cultivando certa paciência e colocando o pensamento e o corpo a favor dos desejos reais -  principalmente após descobrir na prática que corpo e mente são unidos.  Ok, isso pode parecer extremamente natural, e é, mas quando se escolhe escrever, registrar, observar, poetizar, entre outras variações desse mesmo verbo que é escrever, vez ou outra retira-se do cotidiano para juntar sílabas, ou matutar alguma ideia, ou a observar um fato para depois poder reinventá-lo em síntese: e pronto, tornei-me novamente observadora!   Pelo desejo de ser atuante comecei a preferir, então, a análise na prática das coisas, o descobrimento de um certo jogo de cintura, para lidar com o que me aparece na frente, no momento em estivesse  vivendo.

Tomei certo amor pela ação e reação no espaço, eu que antes preferia apenas fotografar, de certa maneira.  Fiquei certo tempo sem pegar à caneta, pausei para entender como era enfim, agir. Sofri a falta da suspensão que me trazia a junção de sílabas. E agora, voltando eu aos registros sim, tentando encontrar essa coexistência entre agir, observar, registrar e inventar. Escrever a vida, oras! Atuar é escrever no espaço.  Lembrando-se que todas as passagens transcritas em todos os parágrafos acima coexistem,  e eu sigo, otimista e duvidando sempre.





 




sábado, 21 de janeiro de 2012

Uma guerra




Azul anil ensaboando o vestido

A anágua desusada como um nunca

A lingerie tímida e molhada

As meias, acessórios que bóiam.



Da torneira jorrava cachoeira abaixo

Num turbilhão de bolhas pequenas

E cheia de promessas cândidas

E amaciantes.



Mal havia metade enchido.



Chegou ele como quem se lembrava

Dela de um lugar distante

Abrindo a porta ao conhecido

Desconheceu-se excitante.



Ofereceu caféáguasucocomgelo

Nada.

Ofereceu cadeirasofácamavaranda.

Tudo.



Aos borbotões sem tempo

Penetrava por ela a tempo todo

Nemsabiaqueeracapazdecaber

Dentrodeumamulhersemnome.



Barulhos, grunhidos e sons

Também sem nomes sorria

Amarelo branco azul violeta

Jamais a cor do vestido seria.





Dura como o sabão em pedra

Escorregava entre as mãos

Do homem sem olhos nem óleos

Agia prático. De simpático parassimpático.



Ela deixou.

Talvez na última gota houvesse amor.

Mas ele seco oscilou por debaixo da porta.



Escorria por ela.

E pelo tanque.

Água limpa. Normal.



Esperava o quê?

Pássaros casamenteiros?

Ou a descoberta da rotação terrestre

No sentido em que líquidos somem pelo ralo?



Já sabia disso. Vivia tonta mesmo.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Afeto só

E saiu, após dizer que só sentia afeto.  E como se isso fosse pouco, sentiu-se só.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Cidade das grades de ferro,
dos corredores de fumaças, flores,
as marginais, os marginais
se abrem para que eu entre e me solte.


Jardim de concreto a florescer prédios:
Casas da árvore e céu arranhado
numa tentativa de raio.


Me coloca sobre a visão panorâmica
da solidão de ser coro,
passageiro e espécie.


Grande em tamanho possibilita a fuga
das regiões,
seres que acreditam em
pé de feijões:
temendo agora os gigantes camburões.


Nessa cidade, dióxido de carbono - necessidade.


Obstrui pulmões, conscientizando oxigênios:
respiração normal para ingênuos.


Cidade natal para além das luzes
de enfeite anual e cruzes !
Fez-me assim: pixação em muros.


Conforta-me em sua vasta amplidão
de segredos em cantos escuros. 
Revolta-me em sua coesão 
de felicidade com óculos escuros.


E tudo é tão concreto.
Tão escancarado que se torna anônimo.
Tão concreto. De concreto.
No concreto.


E tudo é tão concreto.
Que clama poesia.


Ipês amarelos na calçada cinza.
Cocô mole de cachorro num sapato duro.