Percebo que escrever sempre foi, para mim, uma maneira de viver, de viver de várias maneiras, de tentar compreender a vida e criá-la. A minha maneira de não ser só observadora, que é como de certa maneira me sentia; escrever começou um registro, para tornar-me uma observadora ativa dos movimentos e imprimir essa observação.
Escrever, com o passar do tempo tornou-se o meio de expressão mais livre, uma vez que o caminhar no mundo não se apresentava como muito passível de escolhas próprias. Tornou-se um desvendar e guardar segredos. Tornou-se um pesquisar de possibilidades para além dos limites que se apresentavam, quase científica mesmo, porém poeticamente científica – se é que poderia ser de outra maneira.
Deparei-me com a poesia como imagem, como pintura, lente de aumento, reprodução, criação e tradução. Encontrei sua arte, indo além da gaveta e do que era só meu. Tornou-se interdependente à vida e eu começava a caminhar independente sobre o espaço além das palavras. Desenhar usando as palavras tornou-se êxtase.
No entanto, o que antes (aparentemente) me ajudava a organizar causou-me efeito contrário, pois para as criações poéticas era necessário remexer em coisas que fedem e queremos esquecer ligando a tv, verdade íntimas e do mundo que tornam necessária a ilusão, mas que desmentem todos os trilhos necessários por onde se intencionava caminhar a vida e a sensação de estar perdido é inevitável, juntamente com a sensação de engano e falta de sentido de muitas coisas concretas. Quanto melhor e mais profundo o escrito, mais desorganizado meus pensamentos práticos da vida real: invenção.
Sem contar o fato do meu eu-lírico muitas vezes ser bastante fatalista, revoltado, agressivo e destrutivo. Feminista e destrutivo. Que se camufla por entre as flores, pelúcias e orvalhos nos poemas. Há esperança, mas ele acredita já negando. E põe fé na imobilidade e na preguiça, puxa! Enfim: nada prático e muito ansioso. E então, mesmo sabendo que nele há toda a razão (paradoxalmente), resolvi experimentar a ação prática cotidiana, herança teatral, como não poderia deixar de ser.
Experimentar essa ação prática foi justamente viver no espaço presente e real, desviando das dificuldades, orgulhando-se do que alcançava, cultivando certa paciência e colocando o pensamento e o corpo a favor dos desejos reais - principalmente após descobrir na prática que corpo e mente são unidos. Ok, isso pode parecer extremamente natural, e é, mas quando se escolhe escrever, registrar, observar, poetizar, entre outras variações desse mesmo verbo que é escrever, vez ou outra retira-se do cotidiano para juntar sílabas, ou matutar alguma ideia, ou a observar um fato para depois poder reinventá-lo em síntese: e pronto, tornei-me novamente observadora! Pelo desejo de ser atuante comecei a preferir, então, a análise na prática das coisas, o descobrimento de um certo jogo de cintura, para lidar com o que me aparece na frente, no momento em estivesse vivendo.
Tomei certo amor pela ação e reação no espaço, eu que antes preferia apenas fotografar, de certa maneira. Fiquei certo tempo sem pegar à caneta, pausei para entender como era enfim, agir. Sofri a falta da suspensão que me trazia a junção de sílabas. E agora, voltando eu aos registros sim, tentando encontrar essa coexistência entre agir, observar, registrar e inventar. Escrever a vida, oras! Atuar é escrever no espaço. Lembrando-se que todas as passagens transcritas em todos os parágrafos acima coexistem, e eu sigo, otimista e duvidando sempre.