A mulher era
casada e não tinha marido.
O padre sofria de dislexia – sofria não, que ele nada sofria, quem sofria era ela que
era casada e não tinha marido - o padre, à hora da cerimônia, em contato direto
com Deus, em contrato irrevogável, sentenciou um equívoco, dizendo “Eu vos
declaro, alarido e mulher”.
Deveriam ter se casado sem cerimônia, à hora do sim de
qualquer hora, à justiça do sim, naquela hora tola, à hora de calor. Por um
momento, diante das cerimônias do noivo ao propor cerimônia, duvidou do amor, será
que o noivo não mais gostava dela, assim, tão franca e sem cerimônia?
Franca ela era sim, mas não era gratuita, ele sabia que não era gratuita.. . Por
pouco não se desentenderam, por pouco não confundiu o pedido com falta de
confiança - mas ela era uma mulher sem cerimônias e por isso mesmo aceitou com
leveza a proposta do noivo.
E, sim, no dia, sorriu, mas havia excesso de solenidade, a
etiqueta colada às costas, o sorriso desenhado nos lábios. Havia de passar
rápido, tomara deus, que a solenidade doía-lhe os pés e a impedia de ser
completamente feliz. Ela jurou! Jurou
perante Deus e o diabo daquela gente que seria fiel, que seria fiel, que seria
eterno, que seria de todo modo. E o padre, cerimonioso, em contato direto com
Deus, mas disléxico, conclui para sempre a celebração, e disse: “Eu vos declaro, alarido e
mulher.”
Fez-se
presente o presságio, um segundo após a proclamação daquelas palavras:
Diante da confusão, todos aplaudiram, tentando evitar um
constrangimento do padre e aplacar os risinhos, beijo do noivo, aplausos dos
convidados, todos faziam vista grossa diante das palavras trocadas do padre,
será que não percebiam, ela estava casada e sem marido, ninguém se importa? onde estavam as cerimônias de todos? Cerimoniosa, seus olhos buscaram o do
noivo, pedindo socorro, calma meu amor, não tem problema, por favor, não cause
constrangimentos justo agora, dá cá a mão, eu te amo, está tudo bem, todos
querem nos cumprimentar, foi apenas um detalhe sem importância, pronto, tudo
está feito, um beijo, você não está feliz, assim me magoa, venha comigo, vamos,
pelo amor de Deus, não foi nada, olha a foto, sorria, dá cá um beijo, não seja
tola, aqui estou, as pessoas vão reparar, não me envergonhe, se ajeita, olha
pra mim, me ouve, não seja boba, é claro que eu sou seu marido, aqui estou, vamos cumprimentar os
convidados, olha pra foto, eu te amo, não seja tola, todos já estão
estranhando, o padre até se retirou, a sua mãe está chorando, veja só o que
você está fazendo, minha filha, esse padre é assim, deus com certeza já
concedeu o perdão e faz a devida correção no livro dos céus, não se preocupe,
espera, não vai falar nada, não me envergonhe, por favor. Eu te amo, meu amor. Os convidados estão ansiosos por vocês,
ouça, venha, limpe esse rosto, venha, é apenas um detalhe.
Alarido e mulher caminharam em direção à saída.