quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

drama-da-noite



Sabe, 

eu tive uma vontade muito grande, tão grande, mas tão grande, que explodi. 

Então, mesmo que eu não queira mais - e a coisa toda esteja fria - já não posso estar inteiramente em sua companhia. São mil pedaços. Por aí! E mesmo que isso queira dizer muita coisa, ou não diga absolutamente nada, eu explodi, e esse acontecimento é fatal. Pois ou eu não poderei te encontrar por estar juntando os meus pedaços, e isso demanda tempo e dedicação, ou eu me apresentarei incompleta e você não poderá me reconhecer, faltando as partes, ou sentirá horror ao olhar os pedaços. Portanto, não irá me encontrar inteira, logo não irá me encontrar jamais pois se eu estiver inteira não irei ao seu encontro.


segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Lembre-se


O orgulho não vai aos velórios.


Flores testemunham, ouvintes dos murmúrios,
veem cair o orvalho dos olhos nos velhos rostos
do Adeus, do Talvez e da Saudade...
Fecha esse caixão, que é tarde…
Amanhã nasce de novo, brilha os olhos do Quem sabe,
seguro pelas mãos da Certeza e da Inocência...

 A Sabedoria distribui flores aos vivos;
o Humor, discreto, não atrapalha -
compreende o cenário, sabe da mecânica dos bonecos;
o Horror em pé se deita, disfarçado, não incomoda;
a Memória conversa e acompanha quase todos à casa;
o Esquecimento acampa nos quintais
E as flores testemunham (o Amor).

Mas o Orgulho não vai a velórios: nunca nada morre,
tudo é para sempre, nunca se despede, nem se despe
de seus ídolos, estátuas de bronze a terra não come?
Não anda descalço, seu sapato magoa o chão, faz barulho,
carrega pedregulhos, nas mãos um bagulho, o orgulho.

Se precisar ele mata, mas nunca nada morre.






quinta-feira, 12 de agosto de 2021





e chorando, ora
e errando, chora
e orando, erra pelas horas a fio
a fora, desenha morangotangos
na moral da história

aceita.




sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Argumento

Para Jasmine. 




A ninfa chora toda hora,
e chorando sabe que chora,
e mesmo sabendo que chora
finge que chora,
que enquanto não chora, ela chora invento.

Quem saberá do urdimento?

Aquele que beber da sua lágrima verdadeira viverá para sempre.
Para tanto e precavida, ela chora sem tempo, com alegria, com tristeza,
com fingimento. E todos vivem eternamente
até morrer ou não.







terça-feira, 20 de julho de 2021

Como sobreviver





     Em tempos como esses em que vivemos, de grandes riscos invisíveis - em que se paga pra ver - há pequenas formas e algumas pequenas formas de sobreviver. 

    A primeira é se lembrar da morte todos os dias. Cautela para que ela não se sinta esquecida e tenha o trabalho de vir pedir satisfação: é lhe dar satisfação antes dela pedir. Demonstrando sua humildade, convivendo com a gravidade, agradecendo cada oportunidade, mostrando-se disposto, deixando a mestra passar. É fazer o que pode, seguindo o protocolo geral (o de ser igual e pequeno), passar álcool em gel, na dúvida obedecer, mostrar-se disposto, de um jeito ou de outro, respeitar o sinal, ser paciente (de um jeito ou de outro!). Mostrar-se disposto a viver, fazendo o que pode é o que se pode fazer.

    A outra maneira, de conseguir viver um pouco mais é estar dentro do instante com a
 certeza de que se vive e de que o instante lhe vale, como se não fosse morrer ou como se morrer não fosse problema. Não carece de intenção: acontece e contempla. Parece mais com um não saber, beirando a ingenuidade, mas passando longe da ignorância, sabe? Estar plenamente dentro do instante com a certeza que se vive, e que o instante lhe vale, como se não fosse morrer ou como se morrer não fosse problema, ciente de eternidade, aproveita a colheita do instante ou esquece e vive o seu tempo! É quase uma forma meditativa de alegria. Eu incorro no erro de explicar demais. Mas assim também é um jeito de sobreviver, na multiplicação do instante e fé em seu aprofundamento.

Reparem que eu coloquei em ordem, mas uma coisa não exclui a outra, são maneiras de dar sustentação à vida nesses tempos em que se lembra que a morte existe (e que até parece que antes ninguém morria). Assim cheguei até aqui, viva, mas não intacta: demonstrando respeito a tudo que se vai, deixando ir, e indo deixando morrer as ilusões, uma atrás da outra, e enquanto não me mata, vai matando meus enganos, cognata, o pássaro da morte sobrevoa a cidade e aproveitando a sua passagem, vou aprendendo a deixar passar. Deixo cair sem vida iniquidades, pesos mortos aprendo a enterrar, observo a arte dos coveiros (fecha esse caixão), choro, aperto as flores contra o peito e entrego: deixo que cuidem do resto. Deixo uma flor.


Espero não ter demorado, se eu soubesse antes, antes eu teria contado...!  Que possamos contar com a boa sorte de vivenciar a inteireza dos instantes.





domingo, 16 de maio de 2021




Se ainda sou má,
não posso deixar de seguir sendo
até ser boa. 

Senão como serei?

Não sigo a esmo, à toa,
mesmo não sendo boa
e por isso mesmo
vou indo bem.

Na proa!

quinta-feira, 1 de abril de 2021

 




Para abrir uma grande porta
tem que usar uma chave bem pequena
(imensurável, não vês?)
que para vê-la é preciso a tranquilidade
de não se perder, quando de vista a perder.

Reina a sua estrela dia e noite.











sexta-feira, 5 de março de 2021

 




Passo rasteira no fogo da desilusão,
e bato asa, toda em brasa
antes que me levem
a sério demais.

Vendo risada, lágrima, farpa
para sobreviver.

Depois eu pouso (pena)
colchão de cinzas macias
re-pouso meu disfarce 
me desfaço, inimaginável
 
Sem dever.












sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Da janela

 

                                                                                                      .




A ternura é o terceiro olho com o qual te olho,
como uma terceira margem, indizível ao meio.

Com um olho o desafio, com o outro a desavença...
mas no terceiro mora a minha verdadeira crença,
minha criança, a que tudo vê possível excelência.

A ternura é como te olhar de uma janela:
um recorte, uma câmera, uma lente 
que só vê traços finos -
nem sempre dá pra entrar.

Eu posso ver e verter, te olhando da janela da minha ternura,
mas você não pode entrar e eu não vou me acabar.
É terna, tão, como sustentar transeunte?
Janela é o lugar de onde se espera,
E eu espero embrutecer.

A ternura é o terceiro olho com o qual te molho,
Como uma terceira margem, indizível ao meio.

Seguro flores cortadas na plenitude, 
más, em breve pintarei você com a tinta com que se pinta os sinais de trânsito, as calçadas, o concreto. E serás invisível ao terceiro olho, insípido. Onde então se revelará óbvio e mesquinho. Mortal para mim. E fim.





sábado, 6 de fevereiro de 2021



O juízo perfeito evitará o juízo final,
aviltará os vilões e os mocinhos:
os engodos e os enganos 
daqueles que não conhecem o seu coração advogado.




domingo, 24 de janeiro de 2021

Na savana

 





O leão pisou em mim
e eu agarrei as suas patas,
Carnívora, e o mordi,
como quem diz:

Não estamos todos fingindo?




sábado, 16 de janeiro de 2021



Vão dizer que estou perdida...
aqueles que não me encontram.

(Que não me toquem,
que não me contem,
que joguem para o outro lado
as suas esmolas, as suas migalhas,
seus remédios sem consulta, catapulta!)

Eu mesma fio a minha mortalha
Eu mesma entrego-me às medalhas
Eu mesma varro as migalhas caídas do farto banquete
oferecido aos companheiros reais.

Grande é o meu tesouro.
Tudo que eu disser será usado a meu favor.

Que não me encontrem 
aqueles que disserem que estou perdida.



Optchá!



domingo, 3 de janeiro de 2021

Ensaios sobre a morte

 



 I.   



Fui moída pela vida.

Assada, comida, carcomida, doida,
moída de pedra, palitada, esquecida
entre dentes, acabada. Decomposta,
desossada, revistada, desenterrada,
debatida, esfarelada aos pombos, aos tombos
fui moída. pelos mistérios das idas e vindas.
Por não saber e por ser sabida...
Fui moída:
tive que me recompor

E o mundo já não é mais o mesmo.




     II.


À noite, enquanto me despedia
deitei na caixa de flores, cedi 
diante das rainhas, da beleza
das cores, a água salgada
corria brilhante: eu também,
plena e linda, estava cortada.

Servil da alegria, da doçura, do dia,
na noite do dia em que se pode chorar.

E fui até nunca mais. 




III.



Em estado de foi-se

(Aquele verso que me mata, fico caída no chão
Mais viva do que antes.)




IV.



Observar a arte dos coveiros:
Cavar o suficiente, nem raso, nem fundo,
ser discreto (jamais escandalizar).

Jogar tudo pro alto. Pra poder enterrar.