domingo, 26 de agosto de 2012

Não chega a ser tristeza
Essa secura sob os sóis da alegria.

Há tempos sem chuvas no m'olhar.
Sem raios, que são a materialidade do acaso.
Sem trovões, que trazem a força que há no atraso.
Sem enchentes, as que vêm para testar os descrentes.

Não chega a ser tristeza
Essa secura áspera da (in)certeza.








(Publicado no livro "Coletânea de poemas",  III Prêmio de Literatura,  Editora Edufes, Espírito Santo, 2016)                   



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Com sorte


Restaria para si a companhia tumultuada da solidão, 
Certa gravidade e mistério dos que sabem mas não proclamam,
Alguma elegância de vento frio sob a luz do poste.
Para si restaria o sussurro, que os encerados diriam fantasmas.

Seria sim e escolheria o deboche entre lençóis furados e em posição de ataque
Sobrenatural, que parece ao ébrio uma lembrança, e ao sóbrio uma cobrança.

Restaria para si os líquidos. As lágrimas. As chuvas. As doses. Os leites.
Que escorrem, que se vão, os viajantes em eterna transformação
A se banharem em rios estrangeiros e respeitar cada porto, cada nó, cada âncora,
Cada língua e cada céu que estrelasse por um mar de saliva.

Seria sim e engoliria os peixes, os sapos, os príncipes, as bruxas cabeludas e a calma.
Pois comer é deixar que se adentre, é assumir que se é também espaço vazio.

Restaria para si os piores segredos dos outros, que guardaria sem escolher,
Sendo mentirosa explícita, emudeceria naturalmente ao dizer a verdade.

Restaria para si o que todos  jogam fora da vida – mas proclamam na hora da morte.
No entanto, ela mesma não restaria. Má sorte. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Presságio

Tenho a experiência anterior à ela mesma.
Uma experiência medrosa de tão certa,
De tamanha intuição reveladora -
E sem tempo.

Antes de viver pressinto-a
Caminhando pela penumbra,
Olhando através da janela,
 - Como o vento -
Soprando as portas e assobiando canções

De despertar, a me preparar -
Eu que chego atrasada, mas chego
Para a novidade
Que não mergulha de uma vez.

Sente as gotas nascentes e neste momento
Reconhece o rio.

E vivo tudo antes, encantada e segura,
Como se as experiências estivessem no DNA,
Demoradas manifestações oprimidas
Pelo espaço.

Paciente espero a vez de cada uma,
Tocando-as em potências de ultra-imaginação
De uma morosidade de observador

Que sempre vive além de si.

Manha

                                  Para Caio Lion



Hoje acordei com o sol.
Virei, revirei na cama, cedi:

O dia caiu em cima de mim.