quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Silêncio



Silêncio!

Por favor...que se calem as notícias,
eu não quero mais ouvi-las, tristes, óbvias, livres...
Eu não quero ouvir o falso farfalhar dos jornais, ruídos das bancas e bancadas.
Não quero prosa sobre as ruínas.
Silêncio, não me contem.  

Um minuto de silêncio, dois, três, quatro, cinco, há tantos lutos que não há para onde rir.
Por favor, que se calem as notícias, pois não há para onde ir com as novidades (silêncio e lentidão)
pare agora, rápido só resta a destruição.
Eu ouço as folhas de documentos ocultos sendo destruídos, ouço a caneta assinando as pretensões e as sortes, eu não aguento mais ouvir o som da faca cortando a morte, a contagem das cédulas, o grunhido do ódio gratuito, silêncio, que a paz me é cara.
Silêncio, silêncio, silêncio, que a mentira faz barulho.

Não haverá manutenção, faz barulho o desejo de manutenção, e não há manutenção.
Eu não queria portar a voz do desterro, cantar a nota finada da desilusão.

Silêncio.




quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Epitáfio orgânico










A semente dura na terra macia: uma prece.
Plantaram artéria orgânica no meu peito: aorta.
Pulsa a fruta madura, e no meu peito deita: colheita.
Murcha a pele, cai o tronco e nada repele: a morta.

Pulsa a fruta madura na morta: adubo! 
Agradeço aos que plantaram a minha vida na horta.

















domingo, 13 de novembro de 2016

Temporal




Há tempos eu tento.
Há tempos atento ao tempo das coisas, ao tempo, aos outros, aos outros tempos.
Há muito tempo, um tempo tremendo em minhas mãos
Mas eu tremo, minhas mãos balançam os relógios e não consigo olhas as horas, me perco,
Meu pulso interfere nos ponteiros porque eu quero a música das horas, ponteios, dançar.
Balanço, e as paredes dos relógios de parede vão desmoronando...

Não temo o temporal:
Se os segundos são os primeiros,
Eu serei pontual.















sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A bruxa ou A conciliação


Para Aline Pinoti





Foge, melhor para você, rapaz.
Esconda-se, camufle-se, melhor para você.
Disfarça, finja que não nota o disfarce, vive.
Vire esses olhos para todas as outras, melhor.
Corra enquanto puder distinguir muros e árvores.

Corra enquanto consegue, estou no escuro, juro, e
Sou feia como a última bruxa que comeu a sua mãe
Antes de tê-lo, serás meu e não há como não sê-lo.

Corra, pobre, que o mundo acaba...
Acredita na redondeza dessa morada?
Acabará num canto peludo,
No canto dos cantos e
Me dará os cânticos.

Corra, rapaz, por enquanto...
Pois quando cansar e mergulhar
Esses olhos inventados em ti, eu
Ei de comer-te, engolir-te
Sem mastigar-te e tu sentirá os aromas de Marte

Onde a incerteza da vida faz parte.
Onde a lonjura há de abrigar-te.
Onde hás de morrer,
Pois todo o resto será descarte.

Vem, que te faço parte.


sábado, 1 de outubro de 2016







Guardar para si
Se chama
Administrar as palavras,
A lama,
A lava,
A chama.


Sê calor,
Aquece,
Assa,
Ama
Se chama
Guardar para si a chama.










Guarda para si as palavras de ouro, sê a medida.
Administra os teus sentidos ocultos, pois são ocultos:
Embale os segredos, campos de florzinhas ordinárias.
Não aponte tanto as flores, sê jardim.

Guarda para si as palavras de ouro, as moedas de prata,
E administra sob o sol o bronze.
Nas camadas de luz, na reflexão acamada de luz
Sê a própria terra, guarda o que é seu.
Planta.

Sê aroma, sugestão,
Sê impressão e certeza sem som.

E cresce.










sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Eu Sim Som

                                                                             
 de Daiane Correia





Devir que me torne um som...
De mim liquefeita e sã
que me tome um sim
Que eu som
sucedida em assovios das gentes
dos ventos
nos tetos
nas bocas
nas folhas
contenha risos e lamentos de "eu sim"

Eu Sou.








quinta-feira, 22 de setembro de 2016









Acorda comigo, vem sonhar.
Quem disse que amor não existe?
Onde não se usa cobertas,
em seu lugar cortinas,
para que em nós - janelas -
entre a luz que vem do mundo.




(2010)






O mapa está na mina,
O tesouro é de mapa.
O mapa é de ouro,
O caminho é de prata.


quarta-feira, 21 de setembro de 2016








- Mestre, quando iremos pescar? Mestre, quando eu poderei pescar?

- Quando você deixar de ser um peixe.









quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A festa








Soar na Terra! Soar na Terra!
Ventos, brisas e canções!
Se quiser me prender,
Terá de encher mil balões

E soltar.










quinta-feira, 23 de junho de 2016

Milágrima


O Espírito Santo me contou que a Vitória é uma ilha.



Em regrado pecado atrevi,
Olhei  nos olhos da virgem.
Fui capaz, e sem rezar, me compadeci,
Esperei por horas que chorasse, a intocável.
Ela chorou, e de chorar (o mundo), ela pariu!
(Incontinente!) 

Seus filhos escorregaram de sua natureza,
Afoitos, sucessivos, desprendidos, muitos!
Escorregavam como as lágrimas primeiras
(Feras imaculadas, o sal do céu, a terra)
Ao pé de mim, bebês de amor.

Ela riu. Eu, rio,
Chorei no espanto das leis quebradas:
- Filhos da dor sem dor? -

Compreendi

A santa não podia sequer piscar,
Era Libido e  Fecundidade Total, 
Engravidava do ar, do mofo do assoalho,
Dos burburinhos, das flores: do meu olhar.
Não tinha escrúpulos a sua matéria,
Elo desregrado:
Ela.

Saí, escrupulosa, e até hoje estou ninando as feras.



                              



                                                                                 


quarta-feira, 25 de maio de 2016











Eu mudei tanto e não pude lhe dizer!
Eu era outra, eu estava nova,
Tão nova, tão completamente nova
Que não sabia mais falar.


Deitei no berço do silêncio.
Eu não pude lhe dizer!
Eu não podia ousar a traição de usar a língua velha,
Aquela de tristeza e nojo – explicação! 
Durante as canções de despertar.

Eu não pude lhe dizer!
Nasci em segredo, em segredo vivo.















quinta-feira, 19 de maio de 2016

(Carnaval)

                                                                                                       





As ruas cheias e breves, como a vida, e eu comovida.

Enquanto todo o mundo está lá fora,
Aqui dentro o mundo me toca,
Viola própria, canção. 
Faço festa na casa vazia, celebro exceção,
Meu carnaval não tem hora e
Mora dentro de mim, fora da lei.

Lá fora dança dos imóveis, móveis,
Aqui dentro na companhia dos móveis, imóveis,
Eu canto 
Às casas vazias,
Aos bebês que dormem
(esperando carnavais).
Me divirto ouvindo o silêncio, uníssono e polissêmico, o mundo!

Besouros cegos andando em gatos pardos! Mariposas coloridas, borboletas cinzas! Vagalumes envoltos em bichos da luz envoltos em sombras de morcegos, tonteria, carnaval igual!

A festa é sempre, o caos é sempre, a ordem civil é mentira, senhores, meu carnaval não tem hora, é bíblia rasgada em silêncio eterno, antes lerei as árvores, grandes mitos da natureza, dançarei nas folhas, comerei as frutas, transo o corpo da árvore, o beijo de Deus formiga em mim, carnaval!

O pecado da carne para mim é pouco.  



terça-feira, 3 de maio de 2016

A mordida














O meu corpo era meu, o seu corpo era seu, éramos
Pacotes de almas individuais que respeitavam as linhas do desenho visível, 
Éramos livres, unidos através do invisível.
Nosso amor não era físico - era física:
Pensamento, luz, calor, som e o imponderável quântico da alegria.

Havia eternidade e presença, e quase todas as coisas estavam certas - 
Até que a carne rosa das gengivas nos chamou a atenção.

Até a carne rosa das gengivas nos chamar a atenção
E os dentes enfileirados dos risos virarem mordidas:
Já não nos bastavam as batatas, nem a tranquila carne rosa das goiabas,
Já não nos satisfazia as conversas, nem o andamento do tempo, o brincar:
Era preciso ter domínio sobre a matéria, depressa ocupar o mesmo espaço, agora e já.

A carne é sempre crua?
Nossos olhos não mais boiavam tranquilos no cotidiano
Desde que a carne rosa que segura os dentes, nos chamou a atenção:
Que força é essa imune à gravitação?

Aperta a minha mão, sente a gravidade da fome.












quinta-feira, 10 de março de 2016

Al revés



El norte me persigue: camino? 

terça-feira, 8 de março de 2016

Contador de histórias








I.



Contador de histórias: crer no impossível é a sua (e terna) vitória?

Guardo em você, esse lugar seguro, todas as cantigas e sonhos do mundo,
As utopias, as utopias longas, as que só são possíveis aos poucos e em doses,
Um pouquinho a cada vida. As universais.
Guardo em você, para que eu possa esperar com mais prazer o tempo, baú generoso.
(Você sabe que a matéria é pouca e o espírito é tanto!)
As utopias breves guardo em mim, essas ligeirezas e sonhos fáceis, de sobra,
Assim poderei passar o tempo e me ocupar em algo que não seja a espera.

Contador de histórias, só você é capaz de acreditar nas mentiras,
Nos barquinhos de papel,
Nos astros celestes,
Nos monstros,
Em mim.
Sabe e não abandona jamais sonho algum, deixa sonhar todos,
Indefinidamente e a si mesmo.

Sabe do risco de viver, e tem medo.
Sabe que a matéria não é perene, e se nega
A caminhar para a doce desilusão que é a construção da realidade
(Esses tijolos de barro prensados em água e areia triste.)

vem comigo, ampulheta, eu te alimento de histórias, todos os dias farei te farei transbordar a memória, vem comigo, vou te contar a melhor de todas, que o amor é filho do invisível, e que eu também sou contadora de histórias, mas eu conto de modo avesso: primeiro vivo.





II.




III.


Conta-me a última história?

Conta-me, antes de eu morrer.
Conta ao vivo,
Fale antes que o corpo falhe,
Antes que eu me torne substância dura,
Antes que eu esqueça os idiomas.

E antes que eu esqueça os idiomas,
Eu contarei a minha intradução:

Eu não podia viver
Outra coisa que não fosse a poesia.
Agora, a pena separada do osso,
Silêncio sobre o meu silêncio de poço.


Não chora.
(Eu estarei ouvindo você contar a história.)


















quinta-feira, 3 de março de 2016


A puta que pariu dormia.
- Descansa, é carnaval, eu vou no seu lugar. 
Assim, eu parto.


sábado, 6 de fevereiro de 2016





La vida me persigue,
Yo no resisto: muero.

La muerte me persigue,
Yo no resisto: amo.

El amor me persigue,
Yo no resisto: vivo.




La vida me persigue.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Intraduzível




Para Diego Ortega

                                                                     






A vida me persegue em pássaros
Que eu tento não espantar.

E me aconteceu uma vez, e só uma vez na vida
Que meu coração, essa terra tremida, sussurrou,
E você veio, pássaro das mil sementes, me presentear:
Um passo, um pio, uma cantiga,
Penas repartidas, bons ais,
Árvores frondosas escondidas
Até a despedida, na asa batida de espanto.

Semillas. Semillas por todas partes. Granos duros sin sabor.

Olhei para frente: lá estava o Tempo. 
Oh, rio, corrente! 
Ensinou-me a carregar meu pranto das mil sementes:
Te planto, te molho, meu choro é de água doce, viva!
Assim você não morre,

Passarada vida!..

                                                         
                                                         
                Canto!