sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O monstro



Ao monstro não é dada outra maneira de existir:
Que delicadeza essa, a de não me deixar dormir.







Passei uma noite em claro, inteira, o sol atrás de mim,
E eu estava noite.  No silêncio, apenas o batuque,
Eu dançava parada, eu estava vida.
Os olhos abertos no escuro, coberta de fé no silêncio,
Deitada, meu coração era batida no colchão da Terra,
Viva, eu estava música, acordada.

Na calada da meia-noite, eu estava a pino,
E pude saber, aos poucos, e de um saber piano,
Do batuque intenso dentro do peito,
Do medo, do incansável segredo pude saber:
Monstros tocam o meu coração.

Tocam, mesmo sendo intocáveis as suas mãos:
Monstros são para serem deixados em paz - nós não.
Tocam meu coração, que vive, zabumba vibra
O irreversível da vida, vive sem perguntar se quer viver.

Tocadores de eternidade! Eu tenho medo! Tenho medo e coragem!
Façam-me viver! Músicos me batam, que sou toda coração,
E coração não vive só de delicadeza, é preciso pulso firme, a vida!
Palmada forte! O sim desfibrilador! 
Que susto: a aceitação.

Ao coração não se pergunta se quer viver: bate, indefinidamente,
Finito e definido som.
Ininterrupta batida na porta que não me deixa dormir,
Porta pesada, meu peito, pesadelo, luz piscada: quem está aí??

Mãos incansáveis tocando os corações
Enxerguei por um instante, improvável beleza, e quis falar
A você, exímio tocador, ninguém tocou?  
E quis tocar, mas disfarcei, para não atrapalhar
A música incansável de eternidade, a festa nos porões do medo da paz.

Calei, para continuar a viver.

Era noite, mas eu estava amanhecida,
Enruguei-me um pouco até saber:
Deve adiantar-se à escuridão para alcançar o dia.









2 comentários:

Unknown disse...

Que coisa linda Thalita! Parabéns pela sutileza e sensibilidade!

Unknown disse...

Rose, que bom que gostou. Fico feliz e agradeço! Volte sempre!