Queria eu ser obra-prima:
escrever
como quem vive,
e viver
como quem escreve.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2018
sábado, 24 de novembro de 2018
Mensagens do possível velejador
Enterrei o meu sonho, e acharam que
eu estava velando um morto: eu estava plantando uma semente, içando a vela de
um barco, no porto, ganhando corpo, me inspirando com as mensagens do possível
velejador (eu podia ouvir a sua outra terra à vista). Acharam que
eu estava chorando. É claro: não se pode evitar que brotem nos olhos as
lembranças do mar, especialmente durante a plantação dos barcos - sementes
buscadas nos charcos, nas telhas, nos chamados das abelhas, nos pássaros de
asas quebradas também, eu vou lá, carregar a centelha da navegação, na panela a
boia fria e a carne de sol. No sonho o jejum e a fartura de peixes, que
pularão em minha rede, para que eu os devolva ao mar.
Eu não
estava chorando, eu estava regando a terra, doce inclinação, enquanto do lado
de dentro chorava a vela, lágrima dura e quente, longa e escaravelha promessa
do meu corpo na caravela, eriçado velejar, sal correndo nas veias. Quem me olha
as unhas de terra não sabe que pertenço ao mar, ainda criança dei a luz a um
peixe, em segredo, mãe e esposa de marinheiros.
Caminhei por essas terras plantando barcos desde muito sempre, e essa é a primeira vez que acontece, assim, a navalha do futuro cortando água, a brasa do sal sendo refresco: olhei calma para o horizonte, e pela primeira vez, meu barco não virou.
Caminhei por essas terras plantando barcos desde muito sempre, e essa é a primeira vez que acontece, assim, a navalha do futuro cortando água, a brasa do sal sendo refresco: olhei calma para o horizonte, e pela primeira vez, meu barco não virou.
Virei a mesa
do passado.
A vida reflorestada, sombreada e fresca - com os cabelos ainda escuros. Que interessante, vou clareá-los sob a vida marítima.
A vida reflorestada, sombreada e fresca - com os cabelos ainda escuros. Que interessante, vou clareá-los sob a vida marítima.
Meus barcos
estão cheios de flores, minha árvore está cheia de peixes. E isso nos mostra
que aparentemente nada está resolvido, mas o sal está dissolvido na água do mar
(e mesmo assim não deixam de existir as suas implicações), bem como o sol que
brilha na lua: por isso já parei de crer apenas na aparência das palavras, elas
nunca estão nuas, e tudo bem. Parece divertido, a procura por razão, sem
guardar mágoas de interpretação.
Não tentem me convencer de nada, enfim nadarei, eu também não tentarei convecê-los, afinal convém a cada um sê-lo e não selos. Cuidado com a tentação.
Não tentem me convencer de nada, enfim nadarei, eu também não tentarei convecê-los, afinal convém a cada um sê-lo e não selos. Cuidado com a tentação.
Prevejo
fortes ondas de sugestão.
terça-feira, 30 de outubro de 2018
domingo, 21 de outubro de 2018
A palavra
nada diz,
mas
a palavra nada
diz.
Isso é tudo.
e revela
certo fascínio
pelo mergulho
daqueles que pescam
sobre aqueles que nadam,
daqueles que pecam
sobre o quase nada,
e daquelas que nadam,
que me peçam:
eu-nada lhes darei tudo!
(incluindo a promessa
de não dar razão aos peixes)
A palavra nada diz, lê!
domingo, 14 de outubro de 2018
Não se escreve com palavras,
com a palavra se lê,
e toda vida é uma palavra
dizendo -
ora baixo,
ora gritando,
ora em silêncio -
dizendo.
E me aparecem livros na frente...
livros e livros dizendo enquanto faz,
enquanto caminha, enquanto ama,
enquanto jaz.
frases, orações, bilhetes, dramas!
epopéias, poemas, epitáfios...
tragédias, contos e canções de olhar.
Não se escreve com palavras,
com a palavra se lê.
segunda-feira, 17 de setembro de 2018
quinta-feira, 13 de setembro de 2018
Além da folha
A palavra de quem falará em minha boca?
Mil e um personagens moram na minha boca, eu, tratada como oca, a profundidade do vazio, o grande nada que quer ser e é na minha língua de louca. Aqui tudo tem vez, mas é preciso ir com calma, pois os ouvidos são de louça. A palavra de quem falará em minha boca? A palavra do boçal, sem bocal, nem limites? da grossura, da doçura do sal no cuspe do desafogado? do desaforado? da palavra da sorte, das porções de alegria ou de morte? das canções de meio-dia? do sonho que é estar acordado ou da verdade que faz descansar? Mil e um personagens moram na minha boca, a profundidade do vazio, do grande nada que quer ser e é na minha língua de louca, moça, ouça a Onça e A palavra de quem fala em sua boca. Teremos boas novas ou muda, muda, muda e fixa? A palavra de quem falhará a minha boca? A palavra de quem talhará sulcos nesse silêncio? A palavra de quem falará em minha boca? Com as minhas mãos escrevi a palavra boca e com a boca: silêncio com medo de errar – eu tinha me esquecido que a falha da minha boca me permite falar.
segunda-feira, 9 de julho de 2018
A hora do espanto
Às vezes
Esse corpo que habito
(ou que habita em mim)
dá medo.
E nem é preciso deitar no papel
Os monstros, as sombras, as sobras...
Apavorada, eu corro!
quero sair dessa casa, eu mato, eu morro!
mas se correr é com as pernas,
mas se falar é com a língua... ah!
e esse corpo que habito
e esse corpo que habito
dá medo,
como pedir socorro? parada?
Parada eu morro de medo!
mas correndo viverei espantada,
fugindo do próprio espírito,
querendo sair dessa casa,
do incômodo, do imóvel, grito
e me mudo:
e me mudo:
se correr é com as pernas..
levarei comigo os motivos
nesse corpo que habito...
e morrerei correndo,
e morrerei correndo,
se eu viver parada...
Por isso
ao ouvir o barulho das correntes
infinitas (que não me prendem)
finjo fugir, finjo ficar -
na hora do espanto incoerente
ando bem devagar.
Depois tudo passa, medito:
em cima do muro
em cima do muro
ou diante do espelho
é cada quarto escuro,
é cada luz que acende!
E cada vez observo, menos parva,
a magnífica casa mal assombrada
a morada
e o parque de diversões.
a morada
e o parque de diversões.
quinta-feira, 5 de julho de 2018
O Império do Seu-Meu-Eu, o Sinhô das almas
de Felipe Perez
Vai aqui uma breve anedota sobre uma Colônia que fica entre o Sul e Norte do meio do mundo
Seu Cabeça fitou o Sol e disse obstinado e seguro como sempre, depois de tanto matutar:
Agora eu sou Sinhô!
Para tudo, agora... Ou eu mato!
Para tudo, agora... Ou eu mato!
O Coração,
tadinho,
De susto pelo berro que Cabeça atirou,
apavorado,
petrificou-se...
tadinho,
De susto pelo berro que Cabeça atirou,
apavorado,
petrificou-se...
Foi tanta gritaria,
Que no peito fole
o Ar, as portas fechou.
Nada mais entra, nada mais sai...
o Ar, as portas fechou.
Nada mais entra, nada mais sai...
- Que bagunça é esta?!?
A Vida enfurecida esbravejou.
A Vida enfurecida esbravejou.
E, a Alma sem nada entender;
na duvida sumiu pra bem longe...!?
Ela é sujeito de paz, não quer se meter em confusão.
Vai que sai tiro,
O melhor pra fazer é ficar só ali... de canto de olho.
na duvida sumiu pra bem longe...!?
Ela é sujeito de paz, não quer se meter em confusão.
Vai que sai tiro,
O melhor pra fazer é ficar só ali... de canto de olho.
É grito;
É fotografia e explosão.
É fotografia e explosão.
E rapidinho, bem feitinho:
Acabou que a revolução dos Cabeças foi gloriosa;
Acabou que a revolução dos Cabeças foi gloriosa;
De pronto está tudo a sua disposição.
Sinhô Cabeça exclama com razão:
Tenho mais um titã na coleira, to engordando a coleção...
!!!
Tenho mais um titã na coleira, to engordando a coleção...
!!!
quarta-feira, 11 de abril de 2018
Acordado
O meu sonho é sutil:
o sim,
o simples
apelidado de sim.
(como a pele dada à pluma)
e se você tiver
um sonho sutil, tão sutil
que ninguém te acorda,
é porque já estava acordado:
tudo pronto para existir.
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Revista Textão - Coletivo Volante nº6
quarta-feira, 7 de março de 2018
Encenação
Despir-me e sonhar!
Daqui de dentro desta cela
estar nua é um desejo íntimo,
despir-me de meus personagens,
dos argumentos, do drama.
Abrir as cortinas do meu peito,
arejar meu ser real,
e aplaudi-lo de pé no silêncio
até ver nascer o sol central.
E depois, o sim,
vestir seja qual for o figurino, realizar!
Brincadeiras de cárcere, em carne e osso
mani-festar, construir,
brincar.
Ir e voltar por entre os vãos da grade
(de papelão, na verdade).
Marcadores:
Revista Textão - Coletivo Volante nº6
segunda-feira, 5 de março de 2018
sábado, 10 de fevereiro de 2018
Gatilho
Quando superficial, a cicatriz é a memória do disparo.
Quando profunda, é a memória da possibilidade do disparo.
sexta-feira, 26 de janeiro de 2018
terça-feira, 16 de janeiro de 2018
Terra
Quando eu morrer não me deixem num caixão,
Deitem-me na terra, meu colchão e cobertor,
Sejam diretos, não me deixem esperar mais
Para voltar à terra.
Nua e crua, cubram-me de terra,
Deixem-me servir à outra natureza que não é mais minha.
Deixem-me servir à terra, quero fazer parte, não guardem os
meus ossos em gavetas,
Deixem-me servir.
Deixem-me servir sem saber.
Deitem-me na terra,
Sem caixão, sem caixinha,
Deitem-me na terra,
eu estava esperando por isso.
eu estava esperando por isso.
Podem festejar.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
Poesia visível
Há muitos modos de fazer poesia. Eu diria mais, diria que há
muitos modos de refazer a poesia, em palavreado e poema, posto que ela já
esteja feita, à disposição, mas rarefeita diante das preocupações do mundo
prático, das necessidades de subsistência, e do mundo aparente. Sendo assim, eu
retifico a frase inicial: há muitos modos de fazer poemas, para refazer a
poesia que está sempre pronta.
Uma das formas é partir de algo importante, pode ser um tema (pessoal
ou universal), um acontecimento, uma experiência (interior, exterior, anterior
ou posterior) e (d)escrevê-lo em imagens e metáforas, em palavras outras, com a
intenção de captar a essência ou lição primordial do tema, acontecimento ou
experiência, buscando a síntese em poucas palavras, ou em muitas palavras deixar-se
levar pelos desdobramentos possíveis de fazer sentido; assim expandindo e/ou
contraindo o ponto inicial de partida: para chegar aonde já desconfiava e
desejava chegar, ou ser surpreendido pelo desenrolar dos significados (que são
donos de si - e de ti, muitas vezes).
Outra maneira é partir de um signo simples, opaco, material,
e extrair dele outros significados, sentidos maiores que ele, histórias contidas,
descobrir sua(s) simbologia(s) e transparências através das figuras de
linguagem, metáforas, hipérboles, comparações... É como tentar pegar o espírito
da coisa, sabe? Tentar dizer o indizível,
ser inaudito. Fingir que algo é inaudito é parte da emoção de descobrir o
óbvio. Tentar dizer o indizível é tentativa e tentação, assim é a escrita
do irresistível.
Há poemas que são dedicados a alguém, como homenagem, e há poemas que só
puderam existir através da existência de determinado alguém e a nós foram
dedicados, para que o escrevêssemos. Há aqueles que são as duas coisas. Há aqueles
puramente inventados, criação pura, vindo do nada. Há as grandes brincadeiras de
sentido e som. Há a descoberta de palavras. Há a revelação de segredos e o
convite dos enigmas. Há as minhas ideias
e há as ideias que se expressam através de mim. Material, imanente ou transcendente,
dependendo do ponto de vista. Escrever assim pode ser um exercício literário e
letra, pode ser uma manifestação do espírito ou a espiritualização de uma
experiência concreta. Pode ser um
insight imediato, pode ser um trabalho artesanal e medido, podem ser as duas
coisas, em ordens diferentes. É bastante coisa, e é preciso organizar. É fluxo
e ordem. É a suspensão da dualidade que
dilacera a existência, é a solução, é maravilha, momento e eternidade que se
pode ver.
Há
muitos modos de fazer poesia, mas a verdade dela já está feita, mesmo quando
rarefeita - assim como eu, ignorante tentando me fazer e já estou feita,
prescrita à liberdade.
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