segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

domingo, 22 de novembro de 2020

Tempestade

 


O momento anterior à tempestade: eu recebo-o como uma promessa de tudo ser temporal, como uma oportunidade: a esperança de tudo o que for fraco sucumbir. É como o anúncio da batalha, da derrota e da vitória, tudo ao mesmo tempo, encerrando um sentimento fantástico, que me encanta ao som da guerra. É a premonição. O anúncio. Sabe, os ventos da mudança sempre sopram, às vezes baixinho, brisa cautelosa que você finge que disfarça, chupando balas de calibre alto para ninguém saber quem é você, mas quando os ventos sopram fortes você tem que correr ou dizer a que veio - se tem confiança de ser posto à prova.

Crer que as árvores não cairão sobre você, e que se por acaso cair, a coisa não vai ser necessariamente ruim.

Munido de forças interiores, arriscar-se às transparências e aos transbordamentos de tudo, deixar voar as telhas soltas - participar dos sorteios. O momento anterior à tempestade eu recebo como uma promessa de tudo ser temporal, como uma oportunidade, a esperança de tudo o que for fraco sucumbir e não existir inocentes. A sorte grande, o pequeno azar, os riscos de vida, a queda de alguns cenários, os bonecos partidos, a coragem de mãos dadas com o medo, um singelo casal passa correndo sem armas – quase todos forasteiros, que ninguém sabe quando chegam.

Sinto um suave respeito pela graça dos redemoinhos e reparo neles como quem vê os mistérios ou um bebê. Que graça! Enquanto chove tudo é mais rápido, ah, o tempo das águas em que tudo flui, é a hora das conduções. É preciso estar sempre pronto, que a água tem autorização dos céus, então, já viu, é hora de se firmar (não se afirmar). Quem não sabe o que fazer, fica como quem vem de longe e chega em terra transtornada: entra na espelunca, ante os desmoronamentos enfia a cabeça dentro da terra e é levado pelas águas! A natureza vai passar por cima... A queda das fraquezas materiais e morais anuncia, indiretamente, o levante das fortalezas após os ventos da mudança. Isso tudo, sinto em meu espírito de seleção.

Na ventania as portas batem, que susto! Estavam abertas!

E se fracas forem as virtudes, e fortes as vicitudes? Quem vai saber? O momento anterior à tempestade: recebo-o como uma promessa de tudo ser temporal. Respiro fundo e vou olhar lá fora, o dia escurece antes da hora, na falta de luz a natureza vai passar por cima... Isso tudo sinto em meu espírito enquanto levanta ou desmorona minhas fortalezas.

Abro e fecho as janelas, deixando frestas para raios e rifles, na imprópria festa de coroação da própria fé. 

Que chova!

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Houve!

 





Houve!
Olvida...

Ouvi
A vi
A vida
A vida acaba
A vida acaba de ficar.
Caqui.














quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Exercício




 


Vida! Oh, amada, vida!
Caminho por você, você caminha por mim!
Oceano de nada, poeira de tudo!
E vice! E versa!
no mais me estendo, feito praia.

Que graça, a garça... E
 essa barquinha!...
Formiga ante o horizonte..           
Mas tão grande a sua folhinha! 
Diamante

Que escreve, mesmo diante da neve, da nave,
do never, do grávido agudo, simples: navegue,
divague ou dirija e ainda mais, se for assim,
diga! mandiga se preciso for impreciso, leve!
honra o seu papel (de ser), não faça greve.

Que a palavra esteja com você,
lesma ou rinoceronte.


sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Sal

 




(Sal)
Saudade arde.

Acabou e eu estou morta
(Eu vivia de ciúmes).
Acabou! e agora estou morta
sem o prazer do estilo
do entio. 

Me curei, estou morta 
conservada no sal 
- saudade arde
 sem alarde,
recusa apodrecer.
                              
O monstro me olha com ternura
enquanto devora o ser amado 
sem açúcar, sem sal, sem armadura,
o ser in natura.

(Cumpre a sua função)




quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Início da primavera

 






A semente revira dentro da terra,
De um lado para o outro, quer sair da terra.
Faz um terremoto, escarcéu. 

Mas calma.

Sabe que não pode sair semente, tem que sair planta.
Tem que sair de si primeiro. 
A semente se vira dentro da terra, 
em direção ao céu.

- se lança, estando onde está.





 


terça-feira, 1 de setembro de 2020

Decisão

                                                                                               Tomar a decisão como um refresco.



De manhã acordo antes dele, praticamente sou eu que o acordo levanta, levanta, sol, que eu não me aguento, esses tons roxos já me cansam, marcam-me ao redor dos olhos, vou definir o infinito, levanta, levanta, sol, que eu não me aguento, em sua nuca durmo. A lua brilha em mim à noite inteira, sem escuridão. Levanta, levanta, sol que eu não me aguento! Acordar antes do sol me dá disposição para acordá-lo, mas também um cansaço... logo em seguida quero voltar a sonhar (assistida) quando olho para o cenário e, de modo ingrato, desisto de participar. Aí ele me levanta vertendo cores por todo o céu espacial, vamos, mulher, avante, levanta, quem vai sustentar a luz? Então me levanto e ergo a minha cabeça, não é da noite que eu tenho medo, é do dia. Preciso de um papel, sempre, sempre, papéis, eles são a minha busca e minha devoção, por eles eu busco, neles eu revivo, neles eu escrevo, deles eu fujo (Sociedade? Que é isso de sociedade? Eu não assinei nada. Onde estão os meus papéis? Perdi meus papeis.), preciso de um papel sempre, que me escorrem os líquidos, perco o contorno.

O sol pesa depois do meio-dia, não sei por quê, é o peso da vida (da dívida?) sabe, o ângulo do dia? Quero deitar, atravesso e sou atravessada, minhas costas não me doem, é uma coisa no plexo que tenho que sustentar para não se pôr cedo demais. O sol próprio. Me chama que eu sou o fogo. O sol na cabeça me faz lembrar meu nome, levanta, o sol vai se pôr e você não vai sucumbir, presta atenção, poeta, vaga-lume, vagamente vagabunda, o mundo é seu chefe. Senta nessa cadeira, come um biscoito e finge de morta - os vermes te lembram de escrever uma vez mais, e bem rápido, antes que Ela acorde e veja que você está fingindo para obter privilégios e toda sorte de presentes do lado de lá. Quantas vezes essa aqui já morreu? Vai trabalhar, coisa viva!  Às seis da tarde aguento firme, às vezes não, é preciso deixar o sol cair, enfim vou mostrar a minha face culta de dama oculta (dói deixá-lo cair). Dói deixar-me cair.  De modo oculto obedeço a várias ordens, na verdade sou bem obediente em agradar a todas, por isso alguns olham-me com desconfiança e julgam as minhas amizades sintomáticas e fidedignas de notas de cacau - sei que faz parte dos protocolos ser enigmática e não me entregar decerto, ter certo aspecto de sanidade, salubridade, maternidade, essas coisas incompreensíveis que devem ser ninadas todo o tempo, coisa mágica que some e aparece. Eu peço e chamo agora a Relevância e a Discrepância, rainhas irmãs de reinos frontais, eu chamo aqui Clarice Lispector,  com todo o respeito - não se pode desistir de uma coisa dessas. Eu clamo ao dente-de-leão e não se pode desistir de ser quem é. Ah, é? Hora do café. Faço orações clamando a poetas, escritores, xamãs, psicanalistas, neurocientistas, mestres ascensionados, orixás, e também a amigos vivos, que não deixam de ser entidades de grande presença e falam diretamente ao meu coração, obedeço a várias ordens e isso definitivamente não é coisa fácil, por isso peço a ajuda, peco para que não me abandonem, mas isso é definitivamente muito infantil, e já estou forte e farta: quem está na linha de frente não pode amarelar, sucumbir à variação dos ponteiros. Algo me chama para a linha de frente, mas as minhas pernas não estão tão fortes, preciso fortalecer o centro da Vontade, fazer exercícios pouco usuais e de utilidade perplexa, alcançar pequenas e grandes mãos. Esta vida tem sido uma grande ventura, mesmo quando não o é, por ventura. Uma pequenina aventura, tão bonita, preciso aguentar ficar em pé por mais tempo, sem deitar, sem dormir ou morrer como uma flor esmagada. Elevar a vibração e diminuir a frequência com que morro, sabe? Ah, esses armamentos me pesam, mas sem eles posso sucumbir. Terei que treinar, exercitar as pernas, manter-me de pé, subir o morro, com os pés na terra. É difícil estar no universo, é tão vasto, infinito, discrepante! Fascinante! (Eu sou babona de deus, não finjo bem normalidades, confundo temperos e temperanças. Tudo é lindo!) Firmar a cabeça no eixo da coluna estreita e única, aguentar o peso do céu seguindo a estrela até soltar. Se eu me fortalecer diminuirá o peso, então poderei correr um pouco, a terra firme em bons sapatos, dançar dentro e fora deles, me firmar no firmamento.

E se me envolvo em ares de bruxaria poética é para que eu possa escrever sobre o improvável, ousar compreender o ininteligível ou o proibido, ou sobre o que eu me proíbo ou penso que me proíbo: curar o que eu entendo. Assim: eu reverto a situação bruxuleante usando o que está contra mim a meu favor, de modo que tudo que inconscientemente eu me proíba, eu reverta em propósitos de mexer no que não se mexe, ou mexer onde todos temem ou deveriam temer (ou não deveriam temer), no que eu mesma temo: afundo as mãos na magia da autorização e rio na minha própria cara de concha. É uma estratégia de burlar limitações, transmutando-as em direitos plenos, é alta magia. Vinda do alto e para o alto, sem mãos ao alto que estou dentro da Lei, esse é meu estilo, quem me conheça que me compre. Durante muitos anos evitei os assaltos, e tive muitos sobressaltos, evitei os roubos e tive muitos arroubos, obtive ameaças antes de me saber ameaçadora, baniram-me de onde nem tinha ido! Esgueirei as paredes do policiamento, sem culpa no cartório! Ah, estou farta de ficar presa sem crimes, que agora Eu Sou e vou à casa da fartura.

Mas para isso, máscaras, personagens (genuínos, é claro, que sou profissional): papéis, ah! Descobri que se eu não escolher meus papéis, outros escolherão por mim, sem eu querer. Então, não tem jeito, vamos à roda.


domingo, 23 de agosto de 2020

 




A medida do possível é impossível de medir,
assim vivemos cada instante sem medida.


(todos convencidos)

Assim,
em segurança,
podemos confabular sobre a medida do impossível
sem que ninguém nos interrompa, nem que nos rompam.

Acredita-se que com esse tipo de verdade,
é possível viver tranquilo no meio do fogo cruzado
das lamentações e dos dedos que apontam
da lama à estrela.

meu grilhão é também de argila
a mesma argila que vim,
eu que mando, quebro, desfaço enfim!

Poeira estelar.


sábado, 8 de agosto de 2020

 




Rodamoinho
pede vento 
nas fuças das ventas
rajadas!

Que égua, que água
aqui nada!

Mais uma mulher à venda
à vendaval
a que deixa voar
as velhas
e boas novas,
as sem-roupas
no varal,
e as cem mil
circunstâncias
que permitem 
que a tempestade chegue
em segurança

e dá na telha

Mais uma mulher à venda
à vendaval, deus nos sacuda!
Caríssima.

Pobres patifes: espatifa!

















terça-feira, 28 de julho de 2020



Você assopra...
Pra poder beijar.

Mas depois morde
Pra poder soprar:
Pra poder beijar!

Clamo fauna e flora:
Dente de leão!



domingo, 5 de julho de 2020

Cavalos








às vezes sonho ser e de verdade sou.

a pique com a psiquê! que me transformou em sintoma..
psiqui o quê? eu só pisquei pra você... 
estou mergulhada em alma e invenção,
você, não? 
O mundo todo é um símbolo materialista, 
e você, cria-dor?

Não cite o meu nome no consultório do psicanalista...
Ou não te amo mais!
Não ouse citar o meu nome ao psicanalista, ele vai estragar o nosso amor,

eu sei, ele já estragou.

MANTENHA DISTÂNCIA
Você não guarda segredos,

P
or isso perde o selo da pureza,
que com tão-puro zelo eu achei!








sábado, 27 de junho de 2020








O peso do abandono ou a leveza do livramento?
 - O voo do pássaro gordo.

Em sua exibição desengonçada e feliz (?)
de quem está totalmente de acordo.










quinta-feira, 18 de junho de 2020

Dente de leão








Você assopra...
Pra poder beijar.

Mas depois morde
Pra poder soprar:
Pra poder beijar!

Clamo fauna e flora:
Dente de leão!



                                                                             -


       
Escorpiões, sapos, onças e jaguatiricas,
Cactos, rosas, manjericões roxos e palmeiras,
Coelhos, ratos, formigas, saguis e topeiras,
Girassóis, pau-brasis, gramíneas e castanhas bravas,
Águias, ursos, tubarões, caranguejos, pandas,
Mandiocas, feijões, coqueiros e cana de açúcar,
Unguentos, venenos, pólen e espuma das ondas,
Um mar de peixes, a vitória-régia, a rosa de saron,
Numa mão comem crocodilos, noutra caminham joaninhas,
Mil-filhos, capuchinhas, espadas de são Jorge e cores do campo,
Rabos de lagartixa, galos de briga, cães, louva-deuses,

Clamo!

Não arranca meus pedaços, deixa-me
inteira voar plumas ou penas ou pétalas, 
seguro caule, deixa-me as carnes moídas
mas deixa-me o coração, beija.
Não arranca meus pedaços,
deixa-me inteira cair no tempo das coisas humanas!

Cisco no olho das areias movediças,

Clamo fauna e flora, aqui, agora!
Aqui faz muito vento, muita carne dentro, mas pouca pele fora.
Deixa-me.
Dores, odores e as flores do campo.

Uma orelha.

Deixa-me inteira,
Retira-te.

sábado, 23 de maio de 2020





Você já ficou triste por não estar feliz?

(É uma verdadeira força motriz.)

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Prova





Aquele que pula da ponte não a atravessa... 
Não prova o doce caminho agridoce de chegar inteiro
 e deixar correr o rio de baixo.







sábado, 16 de maio de 2020

Na quarentena






Você tocou meu coração,
esse instrumento desafinado.
Afina, afina, afina,
músico refinado...


- e não finado!


Esta que vos fala lhe condena:
a música começou!
Não se finde, por favor...


ou não lavo as minhas mãos.








sexta-feira, 8 de maio de 2020

Estrela





Não sei se vôo,
Não sei se pouso aqui.
Diante dela tudo é possível sei,
O céu azul sem fim,
Um precipício em mim
O tudo é nada, 
Nadar sei...

Eu sei que vivo, 
Mas sei que morro
Eu sei que ardo,
Não sei se tardo aqui.

O céu azul sem fim,
Um precipício em mim
O nada é mudo,
Cantarei..

A cabeça no altar
E os pés no corredor
Ela veio me buscar
E eu disse por favor,
Não me peça pra escolher
Entre o que já fui e o que sou...

Não me peça pra escolher entre o quê?...
Sou.

(Letra da música Estrela, com melodia de Juliano Caravelas)

terça-feira, 5 de maio de 2020

                                                   


                                                                                    tum-tum, tum-tum: 
                                                                                    ainda tem um pedacinho






Meu coração está partido,
os pedaços arranham-me o peito,
esticam-me a corda, desfazem os laços, mas apertam os nós,
não adianta, o coração está partido,
não sei se bebo ou como, se acordo ou sonho,
se vou ou se fico, não ensinam-me as horas,
meu coração está partido,
antes eu o tivesse repartido
antes de explodir...

Repartido, repatriado,
doado o dolorido, dado a outro, colorido...
Mas não, meu coração está partido
e me faz quebrar a cabeça
em dois mil e vinte.

Meu coração está tão partido que não sei contar!
Parte dele pulsa em meu pulso e vivo
Outra parte salta dos meus olhos e vai a quem quiser olhar,
Outro pedaço caiu-me no estômago, trôpego,
Indigesto, racional quis o fim ácido e estrutural
Outro pedaço caiu na água do útero gera frutos constantes
Outro pedaço está no jantar do ambulante, pura doação,
Mas, de verdade, a parte mais linda saltou para o chão e eu pisei!

Isso partiu meu coração.

domingo, 3 de maio de 2020




Entre o eu-lírico e o espírito do mundo
e conseguir estar
e ser
a verdade cristalina
simplesmente
a essência da criação
envolta e desenvolta
dormir e acordar outra
e a mesma
mistura verdadeira.

Criar,
não escapar por via das dúvidas,
permanecendo
e assim permanecer sendo.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Sortilégio







Esperteza, esperteza...
desperta estratégia com leveza,
toma e aceita a sorte grande,
a pequena fortuna:
o instante.

Mereça todas as armadilhas
e honre seus armamentos,
minas de ouro...

Esperteza, esperteza, esperteza,
desperta estratégia, com leveza,
De repente

Desperta!

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Morfeu







Quantos homens já foram esse travesseiro? 
Quantos homens já foram meus travesseiros?
Lugar onde eu acordo e todos se põem
para nascer os sonhos. 

Dorme, dorme, dorme...









segunda-feira, 30 de março de 2020

A morte das cerimônias





Eu caminho sobre muitos e muitos ossos, caminho sobre verdadeiros cemitérios, mas não tenho medo. A rua está repleta deles: é meu passado atrapalhando a passagem, é meu passado alavancando a passagem. A rua está repleta de cemitérios, ovos da memória, ossos: a bandidagem. Avisto, me visto e avanço: tudo veio à tona e não há lápides,  que aqui não existem mais cerimônias, mas mesmo assim não peso sobre eles, afasto os destroços, fartos. Afasto e ando entre os troços, meu peito é meu manto, respeito as traças, óleo nos olhos e passo no tapete da pureza. A rua está repleta de ossos e a minha história já não me assusta, observo a quebra das conservas. Imagino que não mais preciso me desfazer dos ossos, que já estão bem dispostos na terra, belos e livres, livros humanos, a quem quiser que leia. Lancei ao espaço! E agora passo, não mais os carrego. Cominho sobre os ossos! Dança das caveiras!  A rua está repleta, dançam as caveiras atrás de mim e a minha história já não me assusta, me carrega.

Lanço um olhar à leveza e é assim que dança também o meu esqueleto,
mas isso são coisas que não se veem... pois eu tenho carne.

Lanço-me ao espaço e vou!







segunda-feira, 23 de março de 2020


                                                                                                   
                                                                                                   Para José Reis, em memória.








Fui me despedir de você
e você não estava lá
(a caixa dentro da caixa).

Fui para me despedir de você,
quase todos estavam presentes,
luzes e flores enfeitavam o lugar
e não havia lugar para todos.

Alguns esperavam,
outros te esperavam ver
e você não estava lá,
a caixa dentro da caixa
(a casca dentro da caixa)

que indelicadeza chamar caixão

Não havia lugar para todos
mas todos estavam em seu lugar,
posto que você já não estava
lá, a casca só, dentro da caixa,
você do lado oposto.

Para onde havia ido, meu amigo?

Para onde havia que eu não via,
meu amigo? Por qual buraco havia saído?
Por qual via?

Admirei seu figurino bonito, o corpo da memória,
a verdade triste e velha na grande caixa de madeira nova.
Lembrei de suas andanças, seu bigode pretinho,
sua presença fina, aguentando firme as forças misteriosas,
lembrei do passado, e você já estava de presente aberto,
espírito livre, cantando outras paisagens.

Assim espero.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Em memória








O peso do pássaro morto pousou 
como uma pedra no chão,
e meu olhar era a sua lápide,
lépida que foi parada.

E tudo havia sido!

Eu que antes passava sem parar,
parte por partir, sem disfarçar olhei
a leveza no chão, consentida de tempo
e véu e fim dos confins!

Muitos dias lá eu passei, e deixei de passar,
de cabelos ao vento, os olhos no chão
daquele rebento que a morte deixou
ou levou.

Quando levantei os olhos e desde então,
quando lá eu passo o peso    .
daquele pássaro paira no ar.
(in memoriam)


E lá se vai.
E lá se foi!




terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Original








Eu sei que existe, vou lhe contar, a calma
delicadeza de espera e esquecimento.
Espera e esquecimento,
espero o esquecimento,
esqueço a espera: aqueço
o direito de existir.

Existe um momento, um falso pacífico,
um instante onde Ela vive: no meio
da noite mas não exatamente no meio,
vem sem aviso, uma uva, uma ova,
medida ínfima, íntimo instante
donde torno-me donzela,
donde é possível resgatá-la,
abdicar do trono e por isso mesmo ser coroada.

Veste como uma luva nova o hímen eventual
saída para a unidade, e entrada para a umidade,
o retorno, a curiosidade interior, o seu entorno
virgem original, cavalga 
na pureza e natureza dos primórdios:

E recomeça,
e retorno-me,
donzela: Original e máxima!
Um segundo em que se esquece dos homens
e se é lembrada por eles.

Num instante, num segundo (ou dois)
de existência pura, que perdoa, mas não perdura:
Que doa!
Seu destino é entregar-se
(ou ser destruída).

Cavalga, cavalga no meio da mata
virgem que nasceu para vingar
as boas serpentes, que não sabem
e sabem esperar.

A donzela só existe à noite:
Se você não a tocou, o sol a irá tocar,
extrair sua música.









domingo, 2 de fevereiro de 2020











Todos os poemas são de amor.
De norte a sul,
Das gemas às algemas,
Do sim ao fim,
Do não ao sem fim.

Todos os poemas são de amor,
Na fé,
No cabaré,
Na dor, na dó ao nó
do amor
poema é nódoa de manga,
manja?

Ama quem escreve, ama quem lê.
Escritor ama de leite, alimento, amô.
Lê?





sexta-feira, 31 de janeiro de 2020





Quero tocar
a haste da simplicidade, assim,
como quem caminha e parando
para descansar, apóia-se na haste
sem olhar a grande flor que ela sustenta...

E sentir chover as pétalas,
sem saber que despenca.

















sábado, 25 de janeiro de 2020

Navegante

                                                                             Para Carlos Souza





Espelhos de antiguidades,
Mares ancestrais...
Trazendo presentes
nos barcos do futuro!

Adeus! 
Lá vai, navais! 
o celeste navegante... 

e também seus ais! 














Bençãos de barco e bênçãos de berço... Ah!
Beiços, brioches, bacantes, bacanas e brinquedos!
Bonachos, brilhos, biboques, belezas, beijos e toda sorte
de broches e medalhas, campeãs
por estrelarem em seu peito, o grande palco.

Bençãos de berço: os seus plenos poderes vindouros
desde a semente, o que está escrito, o ouro, o couro
que foi lhe ofertado, os presentes, as orações, as mãos da promessa;
depois, as bênçãos de barco: o banho das marés, as quedas e os caldos,
o que se escreve depois, a sua letra, os peixes pescados, os tesouros,
as terras conquistadas a fé e fogo dos piratas, a navegação.

A terra prometida, o conquistador,
A afirmação das bandeiras, próprias. 

Filho da mãe!
Filho do mar! na beira da areia,
na eira da praia, sem eira nem beira,
mamãe quer chorar o desfraldado.
Segura na bainha, forte, bahia, baleia:
Não deve, não teme, pensou, convicta.
- E tremeu de tanto dever. -

Arruma e desarruma as suas malas,
Adiando (e odiando), aia!
Ela sabe que ficará a ver navios
e toda praia será nudismo e constrangimento
de quem fica sem querer.

E por querer ele vai
ser batizado pelas tempestades,
tsunamis não o farão voltar, abençoadas
potestades soarão, erguerão-se à remo
e então, finalmente, os dois, mãe e filho,
de medo morrendo, acabarão de nascer.

Balança o berço, balança o barco...
Balança o barco, balança o berço...
Cai do berço, mamãe põe de volta,
Cai do barco, Mamãe leva embora pra sempre...

As bênçãos são misturadas
aonde a onda descansa e dissolve...

Perto ou longe da sanguinária (mãe),
água funda ou água rasa,
não adianta, nada atrasa,
a madeira é de lei:
Pega o teu barco, avança,
e quando tiver certeza de chegar
ergue teu braço.





quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Talita cumi











Caí no mundo pra me levantar.









segunda-feira, 6 de janeiro de 2020













Você me acha triste,
Não é?
É que quando estou feliz
você não me acha
(porque acha por demais:
achata!)


A gata triste, Ágatha Christie...
É que quando eu estou feliz você não acha.