terça-feira, 28 de dezembro de 2010

saber é pouco
 como é que a água do mar
   entra dentro do coco? 
                                                                                      Paulo Leminski

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Conforto sonoro

    O necessário, o reconfortante silêncio. E esse silêncio não é simplesmente a ausência de sons, é a pausa de sons e informações especialmente direcionados a você e que lhe empanturram, sabe? É aquele momento em que se ouve tudo, e é um tudo que provoca e ao mesmo tempo traz respiração, é lindo. É um tudo que continuará a existir se ninguém estiver ouvindo... e no entanto você ouve e sente o silêncio. A garrafa térmica de café que assobia por conta da pressão interna; a sacola do lixo da cozinha que solta barulhinhos e são formigas; os gritos de um bêbado no bar da frente; o truco-ladrão no vizinho.
    É também aquela sensação que fica após horas de conversa com um amigo, fios longos que são guardados sem terminar mas deixam a impressão de completude impensada... e vai andando pela rua com leveza e muita coisa que se agitava dentro se acalma, silencia, e você sabe que aquilo vai se agitar outra vez, mas não se sente só.
    Chega em casa e vai até a vizinha para observá-la a comer biscoitos salgados e aprende sua maneira metódica de comer cada um, sempre quebrando as pontinhas do quadrado biscoito com os os dentes antes de devorá-lo com a boca. E como fala essa pessoa! Quebrando as regras da boca cheia, farelos ficam grudados em seu batom vermelho enquanto come e fala a vida. E lá continuo silenciosamente com exclamações incentivadoras até que se esvazie o pacote. Um por um o biscoito era devorado e a fome tornou-se poética, tão simples, e o barulho da mastigação soava divertidíssimo em meio às buchechas que cresciam e se moviam. Cênicas.
    O silêncio, aquele durante a faísca de uma grande ideia e seu esboço, sabe? A pequena pausa da descoberta. Descobrir e (é)  também ser descoberto. Analogias. Descobrir o sétimo erro do jogo, e sem querer! O nascer do poema e sua paciência.
  

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Varear

  Entrei na universidade. E quão limitado pode ser esse mundo, um mundo à parte, uma grande comunidade - muitas vezes - pouco variável. Que bom enfim estudar e estar em contato com o estudar e o fazer teatro, mas de repente que sua vida resume-se à universidade e seus temas: de provas à festas os assuntos se esgotam rapidamente entre coisas que já se sabe que serão ditas. Que saudade de debates ardidos, com opiniões diversas e quentes; da rebeldia a partir do copo de cerveja onde dalí partiríamos para o Mundo, e o mudaríamos!
  Há horas em que sinto não ter assunto algum, sentia esse incômodo silencioso mas não percebia que ele estava lá por falta de variedade e abertura para o mundo (minha?). O Rio de Janeiro estava em uma espécie de guerra e durante esse tempo não ouvi nenhum comentário sobre isso na universidade. É assustador tamanho fechamento.
  Eu acordo, encontro certas pessoas, trabalhamos juntas, almoçamos juntas, o dia todo  realizando ações comuns, e à noite, ainda tenho que me divertir com as mesmas pessoas, conversando exatamente sobre o que fizemos no dia! De onde eu vou tirar vida para que se faça a arte? De onde?!
  Quão rica de informações é esta pequena especialização que ocorre na graduação, no entanto quão limitante, e às vezes asfixiante é entender um assunto muito bem, ou tentar entender. As páginas dos livros correm, as descobertas técnicas acontecem, tá, ok, mas o mundo gira.
  E eu quero girar com ele.
  E me assusto ainda mais quando percebo que se busco entrar no mundo artístico, automaticamente vou ter que girar com eles e isso causa-me tonturas. Girar SÓ com eles. Especialistas. Isso cansa, é preciso a variabilidade viva.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Leveza

  Um quê de transgressão. Foi o que senti ao ver todas as minhas notas do semestre altas e entre elas um zero, zero vírgula zero, assim redondo. Foi uma sensação de liberdade e de vida. Estranho, mas vivo.
  Liberdade por se saber competente e, mesmo assim, se perceber numa realidade inventada a partir de uma nota que lhe apresenta uma mentira, eis aí não, a essência da arte? A invenção? Senti-me transportada à imaginação de alguém, mas que independente disso a realidade ainda existia, e eu podia qual das duas verdades viver.
  Transgressão porque nota baixa pareceu-me simbolicamente rebelde, libertário até, quase uma rebeldia deliciosamente infant-juvenil de destaque estudantil. Como se a urgência de vida tivesse me tirado o tempo para alcançar a jóia-rara de nota, inexistente. Como se eu tivesse tido escolha. Como se eu pudesse SEMPRE ter.
  E dormi com a consciência leve.




                                                         22/07/2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Com um pedido de calma
Deita-se na rede multicolor
A mesclar tranquilidade e tensão
No ranger de um parafuso frouxo

Range rugindo sonhos
De um balançar intermitente
De alma evaporada

Que valsa aos sons aquáticos 
Do banho do vizinho,
Este que desafinando
Lapida a grossura da vida.

Com um pedido da alma
Deita-se e lê,
Num embalar seguro de seres ficcionais:

Turistas na imaginação
De um ser de fronteiras
Que guarda na fronte da ilusão
A calma evaporada.

E perde todo o tempo que lhe é possível,
Imaginando serem os minutos horas e
Os segundos gotas de chuva
A serem engolidas (primeiro)

Sente poder.

Mas cede ao sol que lhe queima a cara
E espera, pacientemente
Que outra nuvem o cubra.


Espera imóvel...
Tempo necessário para que um cachorro 
entre pela janela.

Os olhos ardem mas não os fecha,
Afinal, poucos são os dias em que
Se experimenta o andar de uma nuvem.

O livro ficou chato.
Choveu. (segundo)
E o ranger do parafuso frouxo mantém a casa em pé.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Anti-poético

http://www.youtube.com/watch?v=gGcM4TfJdco





O que é bonito?
É o que persegue o infinito
Mas eu não sou
Eu não sou, não...
Eu gosto é do inacabado
O imperfeito, o estragado que dançou
O que dançou...
Eu quero mais erosão
Menos granito
Namorar o zero e o não
Escrever tudo o que desprezo
E desprezar tudo o que acredito
Eu não quero a gravação, não
Eu quero o grito
Que a gente vai, a gente vai
E fica a hora
Mas eu persigo o que falta
Não o que sobra
Eu quero tudo
Que dá e passa
Quero tudo que se despe
Se despede e despedaça


                                            "O que é bonito?"   Lenine