terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Juventude



Há vida: 
Ávida
Dúvida
E o barulho é tanto, tamanho é o ruído que termino quase a me ruir de excesso,
Marítimo o meu desejo de vida estende-se e chego a pensar que não há praia, que ainda estou nos tempos primórdios onde a vida é apenas uma espera elétrica.

Impávida,
A vida no silêncio.










quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Sinfonia de uma queda

Para Eddy Andrade



A chuva caía leve - por fim compreenderá.










Caíram-lhe das mãos escorregadias os utensílios pequenos, simplórios:
As moedas, os talheres, os copos, as canetas, os chaveiros, os livretos,
Os brincos, as navalhas, os abridores de garrafas, os supositórios,    
Os anéis. As alianças não eram suportadas, nem mesmo pelos magnetos
Asseguradas. Desassossegadas  
As aranhas tímidas do canto da parede pesavam como se a gravidade fosse Deus.

Pesavam-lhe as coisas que em sua natureza leve antes estavam, e aéreas:                         
As aves e os insetos, alados, não suportavam mais alta atmosfera -
Caíam, espatifados. Não mais etéreas, quase sérias, as flores,
E as folhas todas caídas por terra, verdes e de uma só vez -
Faziam as árvores reinarem sem sombra de dúvida e incrédulas
Por haver tanta luz em outra estação.

 E des-pen-cavam à sua presença o que era óbvio e próprio da existência cair:
As chuvas e as maçãs maduras, as crianças imaturas,
Os seios e os insistentes anseios seus - impróprios e de nascença.
E quebravam-lhe, corajosos, o medo da quebra e da mágoa -
Sob seu olhar pesadíssimo, as verdades caíam em mesuras
De um prazer de doer a mentira no chão.

Por fim e  consequência pura da lógica (de)crescente
Vieram os ruídos pesados, vidros espalhafatosos, louças indiscretas,
A cair.
O caos dos móveis e dos telhados despencando em toneladas,
A cair.
As pessoas que tropeçavam no pó dos objetos moídos e a incredulidade de tudo,
A cair.
Os carros sentados sob os pneus murchos, imóveis sob o chão,
Cortinas despencam, tudo é conhecimento e não há mistérios
Após ter sido dado poder à gravidade.

As águas esmagam os peixes.
E a respiração é de uma vez e engolida no silêncio.

Toda a lava voltou para dentro da Terra. 


Enfim, e só então, espatifaram-se no piso as suas dores e penas:

Seu único desejo era não mais desejar cair em si,
E no silêncio de um mundo todo caído, onde só há a sua alma sem peso,
Dos entulhos sair ileso.                                   










(Publicado no livro "Coletânea de poemas",  III Prêmio de Literatura,  Editora Edufes, Espírito Santo, 2016)                   





                                                               

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013





A poesia está escassa -
Artigo de coragem implícita em tentativas de amor?
Ou
A poesia tornou-se devassa -
De existência explícita em tentativas sem ardor?

Melhor seria uma rima pobre
- Mas brilho de uma retina -
Do que estas pobres rimas, franzinas.

Há escassez de poesia, alimento -
As que resistem são tímidas canções ensopadas de um rala-dor sem alento.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Canto primaveril






Haviam algumas primaveras sem que ela enxergasse os flamboyants desabrochando em seu rosto, comia-lhe todos os botões como se fossem guloseimas, tinha fome de o quê. Ardia e não via as próprias pétalas caídas acariciando-lhe a pele e arrepiando-lhe ascendentes as cores quentes. Descendia o olhar às grandes folhas que lhe caíam sob o colo - grandes colares sob a grama intocável dos seios, e não havia meio.  Havia muitas primaveras sem que ela enxergasse-os, que boiavam sob a água dos seus olhos salgados, choradores de mar, causadores de tempestades, ondas replicadas infinitamente no caleidoscópio das estações,  boiavam-lhe as flores vermelhas e as castanhas caídas de um outro.

Ardia e não via até o sol bater-lhe na cara, rude, impaciente, tocante, incendiando-lhe sem permissão as formas alaranjadas nas paredes, e as castanhas de um outro sem casca rasgarem-lhe o chão e descascarem sua polpa doce e macia a fazê-la  vislumbrar a tal acidez rubra presente em seus flamboyants.  Despetala, roxa: cegando ao sol de primavera, ela, não mais verde: Estar verde é estar em paz, sabia de alguma maneira sabia, de alguma maneira sabia, sabia, sabia, sabia, você sabia que o sabiá sabia assobiar, distraiu-se. Cega de uma luz de sol a pino, explodia em cores já lavadas, límpidas, quase puras - pois algo que permite-se nomear jamais é puro – explodia em verão, em sementes nuas, frutíferas explodindo a terra, sugando minhocas para dentro do estômago, doces viajantes, ainda maleáveis. Ainda limpos. Ainda lineares. Dormiam sobre o peso e a maciez cruel das frutas maduras caídas - lembranças da efemeridade. Mamãos esmagados entre as coxas açucaravam-lhe as ideias, amoras tatuavam-lhe feridas que não eram sentidas, as uvas – incontáveis, insondáveis, escorregadias e gelatinosas amorteciam-lhe a língua e a queda. Sob o sol, fermentavam o possível.

Solares. E o sol queima sob o espelho gigante do desejo. Consciente agora, a esperar diariamente pela chuva, grandes torrentes a esfriar-lhe as correntes ferventes de um medo constante de outras estações. Estar verde é estar em paz, lembrou-se mais uma vez, naquele que poderia ser o momento último, e logo esqueceu, consciente de insolação que secava-lhe os nervos e molhava-lhe os olhos, túnicas de água salgada, que saudade do mar sentiu, já sem domínio.  Inunda-me, imunda-me antes que seque a argila de nossas mãos, pensava ela, num ímpeto de construção e beleza úmida.  Caía-lhe a chuva como uma luva. E como pesava, encharcada após a chuva como pesavam essas árvores, pensava ela, e chorava as folhas, outonais, milhares, num elogio à leveza: Amor cor de terra, suas folhas – samambaias aéreas - tem raízes, quem diria, no chão...  Amor cor de terra, comia-lhe marrom, roxa, laranja, vermelha, preta, seca de areia, comia-lhe inteiro, comia-me como o amor pela vida que tem a terra pela morte que abraça. Enterra-me. Viva. Ela, mais viva do que antes: planta-me, semente verdadeira, desejo extra-físico de existir.

E de insistir vivia, do repetir sobre a terra coberta de folhas, dorme seca acorda renovada de flores - crescia rápido seus humores - automático o corpo escolhe sua lógica. O corpo escolhe sua lógica, o corpo escolhe sua lógica, o corpo encolhe a lógica, intrínseco esquecimento dos raciocínios científicos de sobrevivência e defesa, ao arrastar crocante dos pedaços de folhas estralando os nervos todos, à base da loucura, relaxando as ordens vertebradas da desistência,  folhas caídas das grandes árvores a lembrar que não adianta raiz: Agarrados às cascas de cigarras sem as cigarras.  Sabem que a melancolia é o desejo de morrer sem perpetuar-se e não entregam-se, antes cavam buracos, apodressem adubos, vermes de nutrição, sabem que dentro das cascas que sobram há a assinatura da liberdade, da possibilidade, e insistem por fé no que é cíclico: agarrados às cascas de cigarras sem as cigarras.

Só quem é frio resiste, lhes diz a humanidade – de estranha humanidade, ao confundir força com agressividade, resistência com maldade. Só quem é frio resiste, dizem afirmar o vento que faz dançar as saias que não resistem. Quem é frio, não quem está frio, pois torna-se frio quem morre, diz o inverno frio por natureza a por a prova o verdadeiro calor, a chama que não se apaga, a força interior aos casacos e à lã.  E quando o calor não mais funciona à fricção e os mecanismos da natureza são colocados à prova, e ela descansa amarela num casulo, mole em suspensão paciente, observa o tempo. A dor sem doer neva, branca, guerra fria. Há tempo. Há sempre tempo, mas tempo é medida, o tempo é algum, é ação - eternidade é premonição e memória, imaginação. As estações não param – um dia param – mas ninguém saberá. Ela ainda não reparou nos pássaros, aqueles que devolvem as folhas às árvores e nos lembram de voltar à nossa própria raiz, de onde vêm nossas flores.


E o sol morre mais um dia 
Mais um dia o sol morre, e é lindo
Como é lindo o morrer.
E consequentemente o viver.
E o sol morre mais um dia.
De novo.
O sol que não morre cria sulcos na terra, 
fendas, rugas, marcas de passagem. 
O sol que morre também. 
Bom dia.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Do riso

                                                                                              Dedicado aos companheiros de humor.


Gargalha para não cair na melancolia,
Ri antes dela, inibindo-a à revelia.
Assusta com ruídos! Lúcido desvio                             
É a surdez  num desvario.

Gargalha para não cair no ridículo,
Ri antes dele a risada tua e ridícula,
Do julgamento e estigma livra-te, chulo:
Do rir por último livra-te, divertido 
- e inevitável -  jogo de espelhos invertido.

Gargalha tua timidez, que é da moral a flacidez,
Ri, sonoro, antes dela, avermelhai em socorro
Pele, dentes, olhos e os fundos de sua confiança
Numa explosão anterior e superior à tua confusão
- vai, paga tua fiança.

Gargalha, mergulhai no desespero, ri dentro dele!
Bebida sem gargalo, sem solução, ruidosa,
Um escândalo de vida sem licença
 - ecos num poço com fundo.

Gargalha no silêncio, e sê superior às leis, à atenção, ao pacto, à aliança
 - à palavra.





Ao cessar o riso, inevitável: poetizo.













(Publicado no livro "Coletânea de poemas",  III Prêmio de Literatura,  Editora Edufes, Espírito Santo, 2016)                   





quinta-feira, 27 de junho de 2013

Quase talvez

                                                               Um correr sobre os rios de acasos e ocasos,
                                                                                                     E memórias e retratos, assim retrátil, olha,
                                                                                                            Assim como olha os peixes, mergulha,
                                                                                                               Disfarçando a fagulha de um sonho. Discreto.




I.


Como se nascer bastasse,
Deixa a vida passar pastosa, imóvel. Em espera incansável,
Lambuza os dedos sem atrever-se a sentir o gosto, estável,
Sem antever-se.

Como se nascer bastasse
E fosse uma simples passagem de um buraco a outro buraco,
Escorrega a vida pelas mãos de um outro, tirano e fraco,
Sem esvaziar-se.

Como se nascer bastasse,
Espera pacientemente o antes de morrer, perene,
Sem urgência, de eternidades supostas:
Parece transcendências, mas já estão mortas.

“Se Deus quiser, abrir-se-ão as portas”,
Diz ele em quase-oração, maleável,
E, como se nascer bastasse,
Esquece, fenece, no dogma do irresponsável.

Como se morrer bastasse para a vida ser
Notável.









(Publicado no livro "Coletânea de poemas",  III Prêmio de Literatura,  Editora Edufes, Espírito Santo, 2016)                   



sexta-feira, 31 de maio de 2013



Por obra do destino,
Não aguenta bebida
Nem a bebida o aguenta,
Que mal a bebida assenta
Jorra faringe afora em desatino:

Tem a alma vil, mas o corpo é tímido.
Graças a Deus.









(Publicado no livro "Coletânea de poemas",  III Prêmio de Literatura,  Editora Edufes, Espírito Santo, 2016)                   

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Do que se entende e não se entende nunca


I.

Conquistar consiste em convencer alguém. Conquistar amorosamente alguém significa convencê-la de que você é repleto de qualidades que trarão felicidade e bem-estar, convencendo o querer do outro, o amor do outro, como preferir chamar. Na melhor das hipóteses, você faz uso de suas qualidades reais, contudo qualidades que muitas vezes não são frequentes, cotidianas, são características nobres que precisam ser lembradas, que exigem certo esforço, ao redor de outras não tão nobres assim, e que nos aparece sem esforço... Logo, para conquistar é necessária certa atenção nos detalhes, certos cálculos, observações, astúcias, certa manipulação de si próprio, até mais do que do outro, pois realmente acreditamos na presença substancial das características eleitas para virem á tona e. Convencemos o outro, de braços abertos os dois, você e ele, convencidos e convencionados! A última maravilha, a perfeição, a união, o amor, enfim o encontro, enfim!
Com o outro e você devidamente convencidos e conquistados a ambos – nível concluído – passa-se o tempo, não anos, pouco tempo, e depois de tanto planejamento para conseguir o que se queria e ter conseguido, crente de que o outro te aceita assim como você é, à primeira ação de sentir-se à vontade : bomba! Escapa por entre as mãos algo que você não queria mostrar ao companheiro, que descuidado, que distraído que você é...  Tensiona-se novamente, ao olhar de estranhamento do outro, mantendo o equilíbrio do bem-estar. Mas depois de um tempo lá vai você de novo, tranquilo, deixando escapar as suas qualidades cotidianas, frequentes, naturais, não tão queridas – enquanto as características nobres de propaganda para o romance são esmorecidas... E você enganado, também, pergunta-se: onde está aquela pessoa que me compreendia e me aceitava? Está tão mudado!
E ao mesmo tempo o outro pergunta-se onde estão as qualidades que foram ofertadas, demonstradas como naturais? E conclui: não era isso que eu queria, por favor, volte a ser o que era antes, quero que seja como era antes, nos amávamos tanto, tudo era tão bom... E agarra-se a isso, a essa esperança projetada, com todas as forças. E você também agarrando-se ao que era antes, tenta refletir novamente aquelas qualidades que exigem tanto esforço e esmero, quase que vive tentando entrar no molde de sua própria criação, entrando no eterno labirinto de frustrações. Desejando do fundo do coração o desejo que o outro te ame como você é, não sendo como você é. E o outro esperando que você seja o que é, não sendo o que é. A roda das frustrações. Quem mandou me convencer? Tu és eternamente responsável por quem cativas, já ouviu falar disso?
A sedução compulsória torna-se um desespero cego e incômodo, um eterno querer e não ter, uma inexistência, uma retórica.  Torna o  amor uma invenção mental, ao invés de criação em relação, torna-se uma mentira, uma fraqueza, uma hipocrisia, impedindo descobertas verdadeiras em busca de causar  boas impressões. Seduzir é ignorar as tripas.
 Por isso desejo não convencer mais ninguém.  Cansa. Cansa demais ser interessante e agradável sempre. Para sempre. Porque afinal de contas não sou uma conquistadora barata, custa caro, não consigo ficar na superfície da carne, sem cair nas profundezas da existência humana e sensual, sem mastigar todos os dentes de leite do outro, sem mergulhar na existência, pois o corpo é o meio por onde se expressa o espírito. Cansa agradar sempre, esperar sempre, procurar sempre, suportar sempre, escutar sempre: apenas para convencer.  Ser um doce, adoçar, mole, insustentável. Há durezas, batalhas, silêncios esquecidos, que a excursão ao outro proporciona – mas que não faz mais efeito, não mais é feito, considerado, satisfeito, quase que não existe. Não se insiste mais, nem resiste. Deslumbra-se e depois desiste.


II.
O que existe é o sexo, tão sem sentido, coitado, posto que não é para sentir, é para mostrar(-se), para desempenhar(-se), para performar(-se) apenas: para assistir, sintetizar, concluir seguramente, sem percalços. E isso com a desculpa de deixar-se levar pela própria natureza (parte selvagem), e permitir-se o corpo expressar-se (oh, liberdade sexual) - o órgão genital expressar-se, querem dizer, o ego expressar-se, querem dizer, uma maluquice absurda: os animais (salvo raras exceções) unem-se para procriação, tendo no cio o desejo de perpetuação da espécie e nós, seres humanos, usamos camisinhas em defesa nada selvagem. Em defesa, a princípio, de gravidez e doenças indesejadas - seu significado literal-comercial,  no entanto, é também o signo-metáfora da possibilidade de relações sem riscos, triscos, uma busca pela abolição do medo, levando tudo à superficialidade segura, não apenas física, mas também emocional e humana, levando as relações à perda de camadas, facilitando e empobrecendo-as, inexistindo-as, frias, desconsideradas. E a liberdade sexual torna-se, na verdade, um libertar-se a si mesmo das relações sexuais, sensuais, dos sentidos, dos perigos que há na  iminência do outro.
Não quero-preciso explicar-me diante das doenças sexualmente transmissíveis, não há necessidade de lembrá-los disso: outros o fazem, e já foi esquecido faz tempo, o medo agora é outro. O látex nos convenceu que estamos seguros, e que as ações são ações sem consequências e sem esperanças. Ações puras, como  ações selvagens – ah, entendi.




domingo, 5 de maio de 2013

Diário de um cafajeste - Prefácio


        É de certa maneira reconfortante ser considerado um cafajeste –   importante deixar claro que ser considerado como um não implica necessariamente que o ser seja cafajeste na prática, mas o mais importante é saber que ser considerado dessa maneira incentiva a mudança de conduta, como mentira cem vezes contada. À primeira vista parece-nos ultrajante, ofensivo, nos envergonha a moral, nos classificando nos desclassifica, afinal, ao procurarmos o significado propriamente dito da palavra notamos que é de origem obscura: onde o próprio autor-nomeador não soube se deixou a nacionalidade de lado devido  ao moralismo que pede mistério ou à tamanha universalidade que pede dissolução.  Significando homem de ínfima ou ruim condição, desprezível e indigno de consideração social, notamos que tem uma vasta amplitude (um tanto o quanto subjetiva) de significados, aumentando a as chances que temos de uma hora pra outra tornar-se um. 
Ser considerado assim por fim reconforta os erros, acredite, e ao contrário do que se esperava, finda a culpa, uma vez que adjetivar o sujeito o coloca numa situação irredutível  ligada à sua própria personalidade inegável, colocando a responsabilidade do sofrimento ou dano na própria vítima, que se deixou ser lesada como que propositalmente, assumindo amor ou jogo com o aparente cafajeste,  aparente pois quem é cafajeste mesmo não se deixa perceber (quiçá existe mesmo). Esses são os melhores. Ou piores, como preferir. Eu, estruturalmente não o sou, não nasci assim, nasci para a honestidade – logo, para a culpa, mas algumas mulheres foram me atormentando de desconfianças pelo caminho, acusando-me de ações das quais não aproveitava, talvez apenas em imaginação, que resolvi unir a forma ao conteúdo.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Esquecimento




Poderia causar-lhe alguma lembrança -
Uma a morte, outra a simples de quem vive
Quem sabe por um triz, por sorte, por arte.
Mas distraí-me’rgulhada nas matérias insolúveis das quais se faz parte.


Poderia desligar-me da ciência, ferida atroz -
Na ignorância do tempo cair sobre a leitura
Dos livros que há em nós: páginas a sós.
Mas colaram-me incertezas no rosto. 


Poderia dividir contigo o peso do mundo -
A profundidade do sopro, fecundo.
Mas para encher-me de vento frio, pesado fio,
Melhor levá-lo ausente, ainda quente.

Pode esquecer.

Poderia eu até fazer sentido, estar, ser.
Poderia, mas tudo parece-me tão insustentável, sem laço.
Poderia, mas de tanto poder: escasso.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Quando a gente morre
A gente cai no chão.
Última, a gravidade:
Nada mais é grave.

domingo, 24 de março de 2013

A Lua




                                                                                                 Para Isabela Basso





Olhos imensuráveis, olhos crescentes, suaves
Olhos inenarráveis, olhos de lua, transitáveis
Olhos infinitos, pousaram sobre mim sem saber de mim, eu finito
Acabei-me ali, mole daquela escuridão, a cegar-me do mundo.
Ah! olhos dolentes, Ninfa, tira-me o ar, a dureza das pernas,
A razão, a corrente, mas não tire esses olhos de meu peito dormente.

Olhos escondidos no eclipse, auréola de fogo suave à queima-roupa
Olhos no mistério, queima-me, trapaça, que segredos são fumaça.
Olhos crescentes, transbordantes, um mar noturno sem espumas onde agarrar-se,
Sem barco que me governasse, sem terra à vista eles crescem, escorrem suas órbitas
Invadem-me sem escolha, e quando caem dentro de mim, caída estou
Afogada, segurando a Lua.

Meus olhos, baços, sem brilho, morreram nos seus, anjo de auréolas nos olhos
Morri, estou no céu, e o céu dura um segundo.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Fragmento


                                                                                                              

                                             Do suicídio não desejou nem as nuvens, nem o voo. Desejou resistir ao concreto, quebrá-lo em pedaços, destruir a cidade e voltar a pé.








Suspenso ficou no tempo dos homens
A sua angústia. O seu relógio. As suas cores.
Seus olhos
Curiosos e inquisidores tanto penderam para baixo,
Para cima, para baixo e para trás que saíram da órbita da vida.

Mergulhou num voo ébrio, desassistido
Retirou-se num pulo, frágil gato de sétima vida apressado
Suspenso no ar -
caiu de tão sóbrio, de tão sólido caiu em pé.

Nunca entregou-se por completo:
Nem aos sonhos. Nem ao concreto.

                                                                         -

A alma observa, incapaz, suspensa do lado de fora:
Científico, enfim, matéria, enfim, a certeza, enfim, a resposta, enfim.
Não era isso o que queríamos, rato curioso e faminto?
Estruturas de carbono, água e óleos - sem perguntas? 

Descansa agora suas respostas, caladas agora, calmas.
Sem alma, sem dor, ecoa em vasos de flor. 
Descansa, que as pessoas te amam agora, que você não existe mais,
Amam sem peso, a você, que caído é admirado, justo, fiel.

 E por isso mesmo escolheu consciente o chão ao céu.











(Publicado no livro "Coletânea de poemas",  III Prêmio de Literatura,  Editora Edufes, Espírito Santo, 2016)                   



sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Canção Nova

Lua,
oculta e meia,
Ceia-me -
mesmo que já esteja cheia.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Doce caído



Não devia escrever sobre o amor. Eu não sei falar de amor, na verdade, odeio palavras de amor, todas com o ar de impossível, inalcançável, lembrança! Expressões envoltas num clima etéreo, não-cotidiano, celestial e sem pecado! Novelístico! Odeio palavras de amor, são pequenas, ínfimas dentro de todo sentimento realizado, sentido, lascado, compartilhado, respirado, o amor não merece síntese, não merece sentença, verbo, é inenarrável. Quando escrevo sobre amor, falo sobre ele, sou traíra, homicida. Perdão. Não deveria escrever sobre o amor. Quando calar, escute-o.


            


Que gosto tem o sabor da sua noite? Dá gosto comer, não como. Imagino, impossível satisfação, sem frustração, meu amor, não vou comer-te. Aperte-me quando chegar.

Ao olhar, aquele contraste de sua pele com seus pelos, ser de contraste, um desenho, quase uma gravura, assim, de longe, mas tão impactante como uma obra de arte, luz e sombra pela moldura da porta. Há quanto tempo não achava um homem tão bonito, mesmo nu, corajoso nu, com e sem pecado. Seus pedaços sem pelos: apelos catalisadores de toda atenção, como uma distração, uma abertura para que possa passar a luz dos olhos, um deixar tocar, de uma força e fragilidade conjunta, inseparável, que seguram-se uma a outra. Surpresa suas proporções, de uma delícia dentro do conjunto inesperado.  Poderia olhar por horas bem de perto - olhar alguém é contemplar sua existência - contemplaria sua existência sem tocá-lo, por horas, como uma mulher paciente. Viveria pelos olhos, que explodiriam verdes – e nunca maduros.
                Seu cheiro, a quanto tempo alguém não permitia-se exalar para mim um cheiro tão natural? Cheiro advindo de seus hormônios frescos, afrescos, tão novos que quase doces, mas ácidos como a sede,  nuvem invadindo minhas narinas, meu corpo, profundamente que poderia flutuar através da – inevitável – diminuição da força de gravidade. O ar quente sobe, sabia? Respira fundo. Cheiro que me invade, e tem a concessão, molha-me, derretida por seus vapores interiores, que chamam para juntar, masculino –   como se pudesse tocar seu cheiro branco. Hálito, ar, vapor, transpiração, lembram-nos que temos espaços vazios, orifícios em memória de um corpo remoto e que tem fundo.          

                Que gosto tem o sabor de sua manhã? Leite esparramado, esparrama-se por entre as frestas, escorrega e volta a dormir.

Ao tocar, as cócegas. Primeiro as cócegas. (Obrigado meu Deus por nos dar a pele, cobertura porosa, salvando-nos das palavras, posto que são incompletudes). Primeiro as cócegas. A aura se treme toda, ri, entende e deixa ficar, mistura das cores de luz. As palmas das mãos procuram-se fazendo o caminho tátil mais longo, um amassar do outro, e se amassem, algodão, pelos, derme, epiderme, rins, estômago, coração, o corpo encontra-se em extensão, o abraço. Que para durar é preciso respirar em quebra-cabeça, um inspira enquanto o outro expira, e vice e versa, quem começa? Tatear na claridade, dançar o outro, que carne é essa que te escondes, e se comesse e se amasse? Beijo seus lábios brasileiros, almofadas para os meus - nos lábios é que descansamos da ansiedade da língua, que procura, procura, cobra do sabor, sem dieta, serpenteia em/onde não é chamada, refresco e sal, alternada. Aperta-me com força, masculino, direciona-me, conduz, como bom dançarino, sem brutalidade adquire concessões.    Encontram-se, enfim, os umbigos, aspirantes de um susto.
Sua voz, doçura, doçura – ah, isso ainda existe, lembra-me dentro do engano – doçura, doçura, açucarado som macio entre masculino e feminino, de agudos a graves, entre feminino e masculino estamos nós, meu amor, seres de amplitude. Doçura, doçura maciça, som que no instante era apenas um eco, lembrança, expectativa, o pacto de silêncio nos guardava de enganos semânticos, de impropriedades, de pedidos vãos, da linguagem vã. O silêncio dos que não carecem de sentido, experimentando o nascimento de um sentido. No silêncio o vento, o trovão, a nuvem escura e sol que persiste; no silêncio o roçar do olhar, o dançar dos cachos, o convite às uvas, o abrir das chaves e o fechar da chuva. Sem verbo, um ronronar escapa, um suspiro, um medo, uma coragem, sem verbo, sem adjetivo – subjetiva nata de palavras soltas (as rebeldes) que jamais chegaram a fazer sentido, pura sonoridade, a audição negou-se a dar significado à canção – um assobio de brisa sacudiu meu coração.

Que gosto tem o sabor da sua tarde? Flutua nas ondas de minha língua de um sabor simples, não retoque, por favor, fique assim, de sabor brando e silencioso, saliva que seca ao vento, sol caído em mim.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Literatura entrecortada por um título que quer amor


Mistérios do corpo e de sua natureza ora dura, ora vaporosa. Você faz perguntas demais para uma cabeça oca, e tem rigidez excessiva para quem tem sangue líquido, senhorita dos lábios de ferro. Pequeno pêssego, de enfeite... Fruta madura, de fina e rósea penugem cai ao chão, lembre-se, por favor, ajude-me senhor das maçãs, coloque-me em sua cesta improvisada para pães, serei maçã, serei maçã, serei seu pecado tímido, por favor ajude-me, senhor das maçãs. Envolva-me de opaco papel roxo, causa-me impacto, serei maçã, serei maçã, serei doce e dura, serei maçante, tão maçã que só caberei em tua cesta, improvisada, como eu, serei maçã. 
Lembre-se, não espere veludos, sua jaca.