sábado, 26 de dezembro de 2009

Sobre o molhado... a sede

As pessoas podem ser classificadas a partir das bebidas que tomamos com elas. Afinal, não se toma qualquer coisa com qualquer um...claro que essa escolha nem sempre é consciente, mas há sempre aquela pessoa que tem tudo a ver com a espiritualidade que traz tal líquido.

A começar com um exemplo curioso: só há um apessoa com quem compartilhei a mistura café quente com limão e manteiga (em pequenas doses, é claro), e essa pessoa é a minha avó. Segundo a própria, essa mistura (exótica) era um santo remédio pra tal da rinite, da qual eu tinha crises horríveis (mais horríveis que o café com manteiga), então lá estava eu sempre a tomar o tal café/xarope. E minha avó me acompanhava,  não por ter rinite, mas para me encorajar. E não é que por fim acabava  ficando até gostosinho o tal troço, e minha avó se esforçava para segurar a careta e eu nem um pouco. Isso nos unia, enfim.

Há na bebida, quase sempre, um sentido de união: compartilhar o canudinho; beber no mesmo copo; brindar à vida; mobilização de todos da mesa quando por acidente derrama-se o líquido que escorre para o chão; açúcar ou adoçante?

Vejamos o caso da cerveja: aquilo, definitivamente, não é gostoso, se levarmos em conta o paladar amargo; no entanto, determinadas pessoas conseguem transformar esse líquido gelado em cálice divino. São as que tem aquela presença filosófica, que se intensifica ainda mais, transformando o ato de brindar em religiosidade. Aquelas que bebem a mesma quantidade, no mesmo espaço de tempo, respeitando a sintonia da conversa, corporal ou literal. As pessoas para se beber cerveja são as  capazes de mudar o sentido da rotação terrestre - ou colocá-la em seu lugar.


Ah!... e as acompanhantes para o chá... chá quente, no caso. Abrindo aqui um parênteses, tomo nota de certa artificialidade que há no chá de saquinho, aquele que vem em porções indeividuais e que é sempre um mistério o conteúdo do simpático recipiente - alguém já experimentou abrir um? Por isso, apenas meio viva! à praticidade. Essas pessoas - enquanto estamos a dividir o líquido fumegante - nos transmite a efêmera sensação de calma e tranqüilidade. Impressão errônea. Essa reunião para o chá é apenas uma maneira de acalmar a água fervente  que borbulha dentro de nós, e também de controlar nossa brutalidade física treinando em xícaras de porcelana. Sorvemos o chá e evaporamos segredos.  


Já experimentou chamar alguém para tomar iogurte? Os iogurtes são engraçados, especialmente na hora do bigode tão característico e essencial, aquele que vai fazer a sua companhia rir e tentar te avisar de tamanho descuido. Se quiser chamar alguém para esse tipo de bebedeira, prefira aquelas que não dispensem um bom passeio pala infância -  que pode ser de morango, frutas vermelhas ou pêssego - e queira rir e gargalhar com as cordas vocais amaciadas pela lactose.


Pois vamos então aos destilados, essas bebidas alcólicas extremamente ácidas para o estômago e básicas para os corações. A primeira dose nunca é aclamada sem que - ao menos - uma das partes participantes deseje quebrar ou criar rachaduras nas moralidades paralisantes... a seu próprio favor ou em favor dos favores do outro... Os destilados devem ser utilizados com moderação, devido aos potenciais, às vezes obscuros, que são capazes de trazer à tona. As pessoas para se compartilhar são as que te dão um  bom dia feliz no dia seguinte e/ou que saibam rir com sinceridade de todas as baboseiras sinceras ditas no momento em que as doses foram abolidas e o gargalo tornou-se a medida exata. 


Poderia ficar dissertando durante páginas e mais páginas seguidas sobre líquidos interessantes, refrescantes, aconchegantes, até preciosos, tamanha é a  variedade de seres humanos e a necessidade deles em se hidratar. Desde a tão capitalista e prazerosa coca-cola até aquela água de torneira pedida no bar em dia de calor e de falta de moedas; ambas tomadas sem real conhecimento do que estamos a ingerir... entre milhares de outros líquidos conhecidos e deconhecidos... que enfim não daria conta!

Mas não poderia deixar de citar o que é exceção entre todos. Tomada em porções pequeníssimas e singelas, milimétricas...salínicas eu diria; costuma-se não ser compartilhada na degustação, por ser bebida customizada. Preferem-se os tecidos macios a tolherem os seus excessos, travesseiros, lenços, golas de camisas e similares, jamais o copo: eis aí as lágrimas. Fabricadas quando inevitável mar aquoso invade os olhos de sede, depois de tantas bebedeiras ou não.


                                                         Saúde!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Questionário

  Sempre há um certo incômodo ao tentar responder à pergunta: " POR QUE VOCÊ FAZ TEATRO?". Como organizar e exteriorizar concretamente em palavras algo que se sente e isso basta?
  Ao ouvir tal pergunta tenho enorme medo de me trair, pois os motivos não se resumem um uma resposta e sim num grupo de conjuntos diversos de respostas e sentimentos e prazeres e vontades revolucionárias. E então me embolo toda e não respondo coisa alguma! Mas afinal, por quê?
  Vou tentar responder, mas antes preciso explicar que antes teatro pra mim era uma coisa, e isso no sentido em que eu via uma coisa só, e com todas as ampliações de percepção que ocorreram  esse ano, percebi enfim sua multiplicidade, gerando um entendimento dos recursos do imaginário.
  Em primeiro lugar, fazer teatro é a maneira que encontrei (uma das) de expandir toda essa imaginação que faz parte de mim; de transformar em realidade momentânea idéias mirabolantes; de viver além da vida; de ser mais do que sou e voltar à realidade sempre diferente de antes.
 Em seguida vem a vontade de revolução, a fé na mudança pela erte, indiretamente. A vontade de soltar o nó da garganta, gritando sutilmente coisas que insistimos em não ver... ou nos ensinam a não ver... e fazer isso com gritos belos e nem por isso fracos. E pensando isso como questão social mesmo, melhor dizendo, humana,  como porta para reflexões críticas e modificações concretas no di-a-dia de quem vê e faz.
  E por fim (nem tanto assim...) percebi que o teatro é uma das maneiras que escolhi para lidar com a arte, assim como me é a literatura. A arte como artifício de desenvolver prazer, atitude e generosidade. Por ser uma arte que nasce da tentativa de ser completa, por sempre haver a possibilidade de unir sonoridade, plasticidade, corporiedade, literatura, imaginação e possibilidade de realidade, enfim.


domingo, 13 de dezembro de 2009

Poética

                               de Manuel Bandeira, 


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


                        

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Gerenciamento de dardos

Oh! Insuportável retidão
que te espreme
ante muros de Berlim.


Sorrisos brancos
delicadamente pelos fios dentais
Antes a mordida.
Antes a fome.


Ah! Inalterável honestidade
casta:
recomenda-se aos cachorrinhos ao nascer.


Oh! Insuportável retidão
nunca abandone o guarda-chuva
ácido de um sermão...
e dos meteorologistas a previsão!


Viva dos frutos com moderação:
afinal,
das sementes
no estômago árvores crescerão...

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Minúcia










Já era mais de meia-noite
quando seus pés caminhavam
- doloridos e desconfiados -
na ânsia de uma cama.

Enquanto isso,
outros pezinhos - de leve
a seguiam.

Rugas na testa pendiam
a controlar os olhos que ardiam
de sono em excesso
de luz.

Enquanto isso,
outros olhinhos - no escuro
Fosforeciam,
e com certa obstinação
àqueles amoleceriam.

Um roçar suave nos tornozelos
Estancou os seus passos
e ao olhar para o chão,
um ser vivo pedia um abraço.

(Aos poucos,
a olhar a lua que ria,
tornar-se-ia
ser vivo também.)

Num colapso da razão,
e com a ternura num crescente
arranhões pelo medo
de delicada penugem que se sente.

(Ignorou seu próprio banho
ao amar tal criatura
de odor tão estranho
- e achar tão bom! -)

À sua condição maternal
revelou-se anti-natural,
antes assim do que da mesma espécie
Animal.

Não era seu,
o leite a jorrar na tigela
- Mas era -
Dava-lhe, pois, longa vida

Ao longo de todas as sete.

Entre ronronares e minúcias
Escapou, deixando-lhe uma porção de astúcias.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O caso do vestido - Geyse Arruda

Era caso, no máximo, para cair nos patrulhamentos de estilo e aparência, nos reality shows que proliferam vendendo a ilusão de que todos podemos nos adequar esteticamente aos padrões vigentes sacando o cartão de crédito e transformando em beleza certificada a abstração do dinheiro. Era isso, no máximo. Mas virou questão de segurança, e a polícia teve que escoltar Geyse Arruda em sua saída da universidade.
A cena gera muitas questões, apesar da sua aparente banalidade (ou não?). A extravagância – ou apelo à sensualidade – da moça foi punida com uma reação em cadeia. Nos programas de TV e de rádio, foi expediente comum os jornalistas incentivarem estudantes da Uniban, ou mesmo os ouvintes e espectadores, a se manifestar sobre o assunto. Era caso para isso? Obviamente, não poucos tentaram justificar o ocorrido comentando a inadequação da vestimenta da moça. Então, vamos a isso primeiro.
Muito se fala do poder e da liberdade da mulher contemporânea, em suas conquistas quando comparamos o papel social feminino em relação ao que já foi anteriormente. Mas em um aspecto, creio, a mulher ainda sofre as mesmas cobranças – talvez mais – do que no passado: a sua aparência. As “maravilhas” da ciência, parece, vieram complicar um pouco as coisas... Diariamente nossos olhos são invadidos por “modelos de perfeição” inatingíveis, corrigidos pelas mãos de esteticistas, maquiadores, cirurgiões, editores de imagem e por aí vai. Desde pequenas, assistindo a programas de televisão, vendo as revistas em bancas, as meninas espelham-se em imagens de garotas que nunca têm um fio de cabelo fora do lugar, nunca transpiram, nunca engordam... Quando enfrentam as mudanças da adolescência, é fácil que se sintam frequentemente inadequadas e queiram se aproximar daqueles modelos. “Magra, linda e feliz” é o que as revistas de fofoca colocam como subtítulo das fotos das “mulheres bem-sucedidas” em destaque na mídia. Toda essa digressão porque a imagem de Geyse Arruda nos noticiários conota um esforço para enquadrar-se nesse padrão, que se opõe à ideia de “beleza natural”, “espontânea”. O desejo de ser bela, poderosa, provocante – como qualquer adriane galisteu dos shows televisivos – parece ter moldado o figurino da estudante.


De um lado, a femme fatale que, vestida para a balada, abalou. De outro, os colegas e funcionários da faculdade que hipocritamente se sentiram no direito de mostrar (ou forjar) indignação. Se ela existisse, seria porque todos consideravam que se vilipendiava um sagrado templo do estudo. Pois é, o que inviabilizaria o coro de gritos e palavrões, e o tom geral de “estamos matando aula” dentro do referido “templo”. Talvez, de forma injusta, eu vislumbre nesse ato de vandalismo o indício de um respaldo da universidade ao comportamento dos alunos, ou melhor, clientes. A educação, tratada como mercadoria, tem recebido o aval oficial do Ministério da Educação, que observando o fracasso do ensino fundamental e médio nas escolas públicas, faz vistas grossas aos “atacadões” de ensino superior particular. É como se fosse um pacto: nós, universidades particulares, oferecemos preços razoáveis e deixamos todos os jovens (que puderem pagar) ingressar em nossos cursos, sem exigir qualquer competência acadêmica prévia; vocês, do governo, fingem fiscalizar nossas práticas. E dá-lhe demissão de professores doutores após reconhecimento do curso, dá-lhe bibliotecas “alugadas” para agradar ao MEC, dá-lhe ausência de planos de carreira para funcionários e esquemas de facilitação para manter os alunos ativos, pagando mensalidade. Não admira que o ocorrido demonstre o quanto os nossos jovens estejam incertos sobre o sentido da educação, do respeito e da democracia.


Texto extraído do blog  O Casulo, link:         http://o-casulo.blogspot.com/

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Conectividade

Saudades rudes
Impaciências grosseiras
Menina suave.


Olhos verdes de ódio
Cílios de um prazer azul
Pálpebras preguiçosas.


Tanto assunto
Num teclado sem letras
Sem perfumes
Sem suor
Nem bafo.


Um vídeo
Uma voz
Um e-mail


Tudo ao meio.

sábado, 21 de novembro de 2009

Céu aberto

"Você tem um clima bom", disse, completamente apaixonada por aquela beleza simples, pelo sorriso franco e jogado, pelos olhos nunca vistos tão claros, mesmo sendo escuros. E ela não dizia quase nada, bastava sua presença quase despreocupada, seu cabelo preso com o elástico o mais frouxo possível, seu rosto sem maquiagem e brilhante pelo calor. Enquanto ela simplesmente esperava a próxima hora chegar, inspirando devagar o presente, assistia ao meu desespero ao perder o controle das horas... e espera, com toda a compreensão, que eu me aquiete, e espera sem saber que espera. 
E sem perceber, virou poesia.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

N coisas

Silábica extremitante
vogal seguida de bocejo
perna, ossos e braços
nada que tem fim
tudo que tem direito

direito tudo que tem esquerdo
suponho tudo que tem desfecho
ai como sinto falta de andar
andar naquelas ruas descalço
pois já ia voltar rápido pra casa

só de tarde ia sair e arrumado
eu era feliz, hoje ainda sou
e até mais com todas essas
novas formas de percepções
mas era uma felicidade diferente
uma diferente feliz idade

                     
                  Gabriel Moraes, também fotógrafo

http://www.flickr.com/photos/brielmoraes/

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

"Quando entro em contato com tais assuntos, não me admiro mais de que haja tantos loucos e birutas no mundo; me espanto é de ver o grande número de pessoas que conseguem ser mais ou menos normais e viver dentro de certas regras, beijando as mãos das damas sem mordê-las e deixando um automóvel passar sem lhe jogar uma pedra."

                                     Rubem Braga,  trecho da crônica "Amemos burramente"

sábado, 7 de novembro de 2009

-A moça aceita um suco?
-Tem de quê?
-Abacaxi e salada de frutas.
-Me vê um de salada de frutas.

...
-Então, moça, tá gostoso?
-Está muito doce...
-... E isso é bom?
- Não sei, não consigo explicar...
-
 

-
-

domingo, 1 de novembro de 2009

Jantar envenenado

                                               texto do meu grande amigo Carlos de Souza, poemado em conjunto.



Vivem pessoas hipocondríacas.
Há um ambiente úmido e fedido
para as suas salivas propagarem

Com suas exalações  altas,
Dramáticas
e misericordiosas
Para os que querem

Experimentar esse veneno
Salivante de vozes
Berrantes
Clamando pelo horror
e ao mesmo tempo

Pelo esplendor Horroso.

O convite não é feito:
as aclamadas vozes sobrepõem
a sua penosidade em favor
Da arte dramática.


A Sua participação é neutra.
Como veneno de morfina:
Não mais a dor senão apenas a mente para entender o sofrimento.

E a praga instala-se.




(Em você?)




(Em você.)

sábado, 31 de outubro de 2009

As bruxas estão soltas... Ainda bem.

Que tal distribuirmos vassouras??

E que o pó dos céus não se acumule.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Máscaras

O artista e sua máscara
de super-poderes
ultrasônicos
e catárticos.

Subterfúgio do limite... 
Brincar de faz-de-conta
que conta que é
e desponta!

E com inveja do gato:
Sete mil vidas, pois sim!
E com a fome do rato:
Queijo sem faca , pois sim!

O artista e sua máscara
carnavalesca
Alma mergulhada em confetes
num sopro:

Canções de mamãe eu quero.

Intercalando quartas-feiras de cinzas
e serpentinas
não-venenosas.
Renascem nessa repetição.

Passaporte para as mil e uma noites... lhe darão
Bem-dormidas
Mastigadas e
Digeridas.

Passaportes concedidos com perdão
pelos canais cerebrais
ressentidos pela razão.

A alegria de sumir
e assumir com más-caras:

Carrasco, pastor e poeta
Apenas mudando a cor
do laço de fita.

Subterfúgio do limite...
Brincar de faz-de-conta
que conta que é
e desmonta.

Já são três da manhã
e sono envia o seu chamado
Lápis, tecidos e pele

Jogados ao lado

Mãos colantes de gesso
Tornando-me o rosto espesso...

Deitar assim mesmo vou
Mereço
Deixarei os movimentos espalhados
Amanhã acordarei com outro lado.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Nada me faz parar. Só um beijo. Por um beijo eu paro. Me atraso, me adianto, como champnhons.

Aguçando a labirintite com uma garrafa de Contini e agora até me esqueci pelo que brindamos...mas sim da pizza com borda de gergilin: como ninguém havia pensado nisso antes?...

Um desenho feito com batata-palha no fundo do prato: borra de café no fundo da xícara: um beijo furtado, que antes percorreu a sola de meus pés, me sarapilhando pelas pernas, dando-me agulhadas de acupuntura no estômago e cócegas na garganta: sai e com razão.

É melhor escrever antes do banho, a presença do olfato muda tudo.

Nosso limite: a luz apagada. Um gato arranhava a a porta. Mordidas que doíam uma dor boa, que doíam uma dor nova. A presença Real da cama tornava o momento mais ansioso e apressado: segura forte esse segundo a tempo.


A chave da vida. Choque de  termômetros, rios levados ao mar. E o beijo já não era uma coisa à parte, era a coisa toda, era a amizade e a importância disposta em saliva no portão.


Um sorriso brilhou no escuro. Gargalha vai. E a labirintite me pegou pela manhã.

 

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

À Drummond

Desliguem a TV,
parem os negócios,
paralisem o trânsito:

Uma flor nasceu
no asfalto.

Paralisem.

No meio do caminho havia uma
vírgula
Havia uma
pato
no meio do caminho.

Pasmem.

Há um pato no rio Tietê.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O preto berrante.
Com seu berrante protuberante.
A olhar o céu pretuberrante.
Diz:

-Lua nova...

domingo, 4 de outubro de 2009

Emergência

de Mário Quintana



Quem faz um poema abre uma janela.

Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
 

sábado, 3 de outubro de 2009

Metáfora

Lá estávamos. A sós, finalmente... prontos um para o outro... com um desejo impaciente de senti-lo derreter dentro de mim... E lá estávamos no banheiro da escola, fugindo loucamente dos voyeurs de plantão e da tal legislação da tal escola que não permite certos atos durante a aula... Ok, confesso ter sido um ato de extremo egoísmo... não queria dividí-lo com mais ninguém, assumo com certa culpa discreta. Saciar. Só isso importava... e que fosse para o espaço a prova semestral, juntamente comigo para as estrelas...

Prontos um para o outro... o medo de um fim do mundo precoce nos desajeita, a saliva acumulada me tenta escorrer por entre o canto dos lábios e queixo... a escolha: o último box do banheiro, obviamente, bem... nem tanto, afinal o trinco quebrado de acelerar mais ainda os corações. Arranco, rasgo sua roupa... embalagem frágil e fácil... com certo amor violento e pseudoeterno devorá-lo vou...

O chocolate derrete com o calor de minhas mãos, vou levá-lo à boca... e numa fração de segundo escorrega de minhas mãos rosadas, tento em vão e com desespero evitar tal fim e desastre apertando-o com toda força de minh'alma:

Ele cai dentro da privada e eu num precipício de amargura. Levo as mãos à cabeça em suor, por um segundo penso em salvá-lo... hesito. Olho para a porta do banheiro e lá alguém escreveu a fórmula da velocidade gravitacional. Lembro-me do Alpino que está em meu bolso e tranquilizo-me. Enxugo uma lágrima que cai, misturado com o suar da emoção. Não olho para trás.



Texto original escrito em 18/09/2006, com edição atual.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

No arco da íris

"Fecho meus olhos e eles continuam abertos por dentro"
Gabriel Moraes



Fecho meus olhos:
eles continuam abertos por dentro,
Transgredindo o sono.

Sonhos num piscar.
Necessidade das pálpebras fechar:
Cílios a voar.

Lágrimas como forma de libertação
dilatada para o mundo:
Salmoura corrente na veia.

Idéia incoerente na teia
das visões alteradas e
claramente remeladas.

Fecho meus olhos:
- Conjutivite duvidosa
pelas massas, contagiosa.

Janelas

Da alma num click
fotográfico:

-Sorria, você está sendo flagrado.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A aula-teste

A aula-teste. Pois é, lá estava eu indo para uma avenida de uns três mil números! Mas para quê?! Bom, para participar da oficina teatral que tanto queria, precisava passar pela aula-teste, é, uma espécie de seleção. Se bem que... se bem que a oficina se dizia para pessoas de conhecimentos teatrais avançados... mas como isso é relativo, resolvi participar. Afinal, sou uma pessoa avançada, ou pelo menos,penso que sou.

A dita cuja aula começava às 18h30, e eu saio às 17h50... o problema se iniciou psicologicamente, pois eu havia feito a inscrição pela internet, no último dia, em cima da hora e não havia recebido nenhuma confirmação do Centro Cultural, portanto, eu não tinha certeza nem da minha inscrição. Liguei para o local, durante o dia todo, e ninguém me atendia... resolvi então, dar a cara a tapa, pagar pra ver.

Saí do curso no horário previsto e... surpresa: o céu estava caindo sob a forma de água! O maior chuvão, com direito a trânsito e metrô asfixiantes de tão lotados. Eu tinha apenas 45 minutos para chegar ao destino, se fosse num dia normal, até que conseguiria, mas...

Fui para a estação, pegar um dos três metrôs que tinha que pegar, e estava aquela muvuca esperando para entrar no vagão, que sempre estava cheio e cada metrô que chegava era aquela encoxação, foram 15 min. para conseguir entrar; na segunda estação a mesma ladainha e empurra-empurra, cada um querendo mesmo é garantir o seu lugar; já na terceira, que foi a pior, mais cheia, mais suada e decotada de todas, deveria ser a mais sofrida, mas já estava calejada por conta das anteriores. No último metrô, chegando na estação Brás, fui expelida para fora num engarrafamento humano, sem direito a defesa ou discordância : saí do metrô.

O certo mesmo era ter descido na estação seguinte, mas como meu corpo não teve escolha própria e eu percebi que já estava na tal avenida, resolvi ficar por lá mesmo, afinal a chuva já tinha parado. Quando passei a catraca, eis que começa a chover violentamente.

E lá fui eu enfrentando o aguaceiro, de guarda chuva aberto, e descobrindo o quanto era eficiente o meu tênis, que mesmo encharcado manteve firme e forte a minha meia seca! O endereço já estva na memória, e o número de destino era 1401; passei por debaixo do viaduto escuro para chegar à tal avenida e descobrir que estava por volta dos 1900's e também que teria que atravessar o extenso viaduto claro, passando por um espaço muito estreito - talvez não para um ser humano, mas sim para um ser humano com guarda-chuva, mochila, caderno e pressa. Já passva das 19h30.

Porém, me reanimei: opa! Já estva no nº 1500 e pouco, e resolvi, não sei porquê, dar uma olhadinha de leve no endereço - agora parando para pensar, nem sei porquê fui conferir, mas deve ter sido, simplesmente, uma maneira de comemorar comigo mesma a vitória de ter chegado ao destino. Abri o caderno (que estava levemente dissolvido em água) e percebi o erro cometido: o número não era 1401, e sim 2401.

E o caderno acabou se dissolvendo por inteiro.


sábado, 12 de setembro de 2009

Fada

Esvoaçantes véus...
os tomam por completo
desfazendo músculos rígidos
em caramelos macios,
e doces túrgidos.

- Ou seriam cabelos?...

Ondas em perfume...
destacam-se de obstáculos...
em vapores cor de violeta circulam,
Se reúnem em espirais azuis e mel
numa festa sinestésica:

- Por um instante, o céu?

Ilusionistas que são...
Flutuam sobre varinhas de condão,
Em suas gigantescas pupilas.
Inocentemente te segredam:

- Sim ou não?

Asas de libélula...
que alcançam o céu da boca
e num mar de sal procuram cócegas.
Aceitam tua mastigação,
com a honra e orgulho
de parecer mera imaginação...

- Pesadelos juvenis?

Uma baba doce...
Corrosiva ao extremo
se não consumida pelo a pelo,
Se não aceita como um apelo.

- Será por isso que está molhado o travesseiro?

Delicadas garras...
te arranham com suavidade...
arrancam-lhe a pele...
em meio a carinhos anestésicos
e sombras brilhantes.

- Quantas noites desejadas num só dia?

Hipnotizados pela melodia
esta que até curupira se admira,
e a qualquer um que entre folhagens a mira
em canções milagrosas...

-Sucumbira!...

Úmido e doloso:
Chorando lágrimas
de leite
e num deleite,
sussurra:
Fada...

- Bruxa?



quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Acabam-se as folhas do caderno; a ponta do lápis está quebrada; a tinta secou. Mas não adianta: os pensamentos continuam brotando em minha mente e aspiram ser espelidos, e insistem em me alfinetar, em me atormentar, em confundir e fundir a minha realidade. Neurônios a mil, sempre prontos e dispostos a tudo, topam qualquer parada, ou melhor, acelerada. E se em algum instante me mantenho em silêncio... lá estão eles a me fustigar... a me obrigar a ter que dizer e sentir algo: SOCORRO ESTOU SENTINDO TUDO.
Rostos e risadas merencóricas surgem em movimentos. Coisas que poderiam ter sido. Coisas que poderiam ser. E o que é, afinal? A obrigação de ser vulcão, destruindo e adubando para que nasça outra vegetação, que não é a minha. Vontade de covardia. Vontade de não produzir nada, de não ter que ser nada, de não projetar as pessoas: lente convexa.
Aprender a escutar o que o silêncio diz. E descobrir que pode ser nada. Aceitar que há coisas que eu nunca vou descobrir. Um dia após o outro. E que seja, enfim, o segundo existente.
Comprei um caderno de dez matérias.

Sob a luz do móbile

A noite.
Ah.. as noites
As quentes de sede
As frias de mais sede ainda
As secas encharcadas de orvalho...

A lua pendurada
Móbile sob ação do vento
Sob ação do sopro
Sob ação do hálito

Ah... a noite...
Nela mora a inspiração
Nela mora a conspiração
Do sono contra nós.

De dia, apenas
Acende-se a luz...
A noite?
A noite é natural

E os sonhos...
eis o que há de mais real.


Escrita em 20/09/07

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Quiromancia

Sob a palma da mão quente,
Deslizo-me inteira
Num simples tocar de polegares.
Supresa por assim estarem
Tanto tempo ausentes.

Chama de vida:
Ora fogueira ardente,
Ora brasas de sarau
Calores que avermelham a face,
Colorindo a visão esverdeada.

Minhocas coloridas
Nele brotam como pensamento
Umas obstruindo orelhas e olhos:
Hálito distante
de uma conversa dolorida.

Outras
Enrolam-se por entre dedos e braços
Desfazendo-se em fitas
e perigosas impressões manuscritas.

E por fim há aquelas
Que puxando-o delicadamente
Pelos calcanhares...
Levando-o a escalar prédios
De até mil andares.

Entre elas
Lá estou.
Benditos sejam
Oh! Polegares!

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A televisão esmaga as minhas canetas.
Num ficcionismo realista demais nos confunde.
Com uma realidade sem final feliz nos frustra.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Toda opinião própria é intransigente.


Você há de concordar comigo... não?

Armadilha

Desejo de unir quatro pontas,
onde a cerveja já não tem mais gosto,
onde ter a visão turva
fica sem Sentido.

Abrindo o guarda-chuva
duvidando dos céus a queda.
A sede insubstituível:
que venha mesmo já quente.

Nenhum medo, de repente
Nem arrependimento.
Apenas a dolorida certeza
de ter sido o suficiente.

Quadrilha sensível ao toque
da pele.
das almas.
dos cigarros embriagados
pela nossa presença.

Que dançou até o fim
num vai-e-vem ritmado
a risos e bocejos:
Entre lápis e lençóis
jamais descansados.

Entre lágrimas e sofás
jamais desbotados.
Entre cartas e gatos
jamais recatados.

Entre gritos e cochichos
jamais abafados.
Entre sentimentos
um tanto o quanto afetados.

Unidos pelas mãos.
Afastados pelos pés.
Dificultados pela nova trilha.
Insubstituíveis que são
tendo a saudade como minha armadilha.

sábado, 18 de julho de 2009

Benjamin Jackson

No filme O Curioso Caso de Benjamin Button, a linha do tempo é invertida: o personagem nasce velho e vai remoçando até ficar criança no final. Charles Chaplin também se imaginou nessa situação e declarou: "Na minha próxima vida quero vivê-la de trás para frente".

E agora que o Michael Jackson evaporou, cabe a analogia. Desde cedo ele teve que pegar no batente com as responsabilidades enfadonhas dos adultos. Depois, mas sempre ao contrario, MJ se tornou adolescente - por sinal, foi quando despontou como um grande bailarino, um cantor afinadíssimo, um artista completo, inovador; um Chaplin.

O tempo continuou invertido, com Michael cada vez mais um infante: brigou com os irmãos, reclamou dos pais - fez todos os tipos de estripulias, bizarrices; incluindo a de agarrar o próprio membro, enquanto se requebrava, de maneira tão acintosa quanto inofensiva. Quase sempre revelando uma mente infantil, estranha a um corpo adulto. Tanto que obsessivamente interferiu nesse corpo que não combinava com ele.

Usou de uma irresponsabilidade própria das crianças e tratou de fazer tudo que imaginou que podia. E podia muito - tinha dinheiro, tinha poder. E o que fariam as crianças se tivessem isso também e nada ou ninguém que lhes impedisse?".

Mas sobretudo há a questão da criatividade.

As pessoas maduras dão bons (e inúteis) conselhos; e diz a literatura que alguns dão bons amantes. Só que no quesito criatividade ninguém supera as crianças. Um artista, quanto mais artista ele for, mais infantil ele é. A razão atrapalha a inspiração. O próprio Michael Jackson para dançar daquele jeito dizia que não podia pensar durante os passos. (Nos desenhos animados os personagens voam sem perceber. Porém, quando se dão conta que não se voa apenas com o desejo, sem asas, eles caem).

Charles Chaplin era um vagabundo, "o" vagabundo. Os alvos dele eram os policiais empedernidos, os donos de lojas, os vigias, os responsáveis pela normalidade e, de uma maneira geral, a aristocracia e o esnobismo dos adultos. Mas o vagabundo tinha amigos, em especial crianças e cachorros.

Às vezes, porém, criador e criatura se confundem. Na vida real, assim como MJ, Chaplin foi acusado de pedofilia.

Sim, há um mundo real. Esse mundo tem regras. É justamente o mundo que os artistas confrontam. Um mundo que condena os excessos dos artistas. O mesmo mundo que chora intensamente a perda deles.

Quando morre uma criança, morre parte da nossa criatividade, e da nossa ilusão.


José Pedro Goulart é cineasta e jornalista.


{Texto extraído do blog de meu querido amigo Ednaldo}

sábado, 11 de julho de 2009

Insubordinação

Dormir sem tomar banho


Poema sem rima

Transferir toda a bagunça de um quarto pra debaixo da cama


Acordar 20 minutos após o toque do despertador

Repetir o prato de feijoada




Repetir de ano

Pular a catraca




Gozar
sem ponto final

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tendencioso

Num imenso cubículo
Mal iluminado pela iluminação excessiva
Encontra-se, enfim
O paraíso mitológico
Das marcas e renomes.

Em meio a imensos cabides
Pendurados em grandes orelhas
De moda universal,
Rotacionada estou por etiquetas amarelas.
Piscantes e redondas.

Labirinto democrático.
Desde que haja crédito.
Desde que haja fragilidades a serem
Oprimidas
em suaves comprimidos de grife.

Onde sempre é dia
Mesmo em noites de lua
Cheia-minguante.

E sorrisos são desembrulhados
Dentro de de refrigerantes refrescantes
Por estômagos embrulhados

E o Ronald
Sempre contente
Sorri. Ele não te escova os dentes.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Como afinar os ouvidos a fim de escutar os suaves rumores que os acontecimentos trazem? A fim de interpretá-los e usá-los a nosso favor, transpondo a ansiedade paralítica e desordenada?

domingo, 21 de junho de 2009

Abrupto


Não me acostumo com coisas abruptas. Melhor mesmo são os processos contínuos e constantes, em banho-maria... Sorvendo vagarosamente os prazeres, sem deixá-los esfriar... Como linha contínua, não-tracejada, que se afina e embranquece lenta e gradualmente, como natural, sem nuances bruscas tropeçantes... 24 horas mínimas e que seja enfim o segundo existente... Não questiono a efemeridade dos momentos: é necessário acabá-lo para renová-los, então. Mas não gosto de cortes a navalhas ou a despertadores.

São particularmente detestáveis as despedidas abruptas. Após o encontro com alguém querido, a gente sabe: teríamos assunto para uma eternidade e meia! No entanto, para algum lugar nos chama a referida responsabilidade, ou o horário do último trem nos grita como se ainda tivesse apito... e então começa o processo onde não se sabe se despede-se ou termina-se a apetitosa conversa: surge um sutil desespero, mínimo, impossível de se ver a olho nu, juntamente com certa ansiedade... E lá vem o trem... com escadas rolantes desligadas, dificultando a agilidade do momento...
E no ecstase de uma descoberta psicológica capaz de mudar a rotação terrestre: ESTAÇÃO-SANTA-CECÍLIA-DESEMBARQUE-PELO-LADO-ESQUERDO.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Garimpo




Pequenina pepita de ouro
Numa imensidão de cristais d'água,
Canta cócegas na planta dos pés,
Nus como a alma!

Um sorriso fino como areia,
Castelinhos imperfeitos,
Gigantes aos meus olhos,
A ilusão perfeita.

Em meio a uma cachoeira de mercúrio
Caiu-me esse cisco no olho:
Vou morrer brilhando,
Envolvida nesse ouro impuro, que é você.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O MUNDO É PLURAL. Mas os homens são singulares.

Utopia

Quem me dera ao menos uma vez, que o mais simples fosse visto como o mais importante.

Renato russo.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

E quando nada mais faz sentido, eis que encontrado está o sentido da vida. E volta-se ao ponto de partida, mais uma vez como a última chance concebida. A última de muitas. Refazendo então o tempo presente, aparentemente inutilizado pela cronologia. Roda-viva. Roleta-russa.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Jasão e Joana

Jasão

Você é viagem
sem volta, Joana, eu vou contar
pra você, sem rancor, sem sacanagem,
porque é que eu tinha que te abandonar
Você tem uma ânsia, um apetite
que me esgota. Ninguém pode viver
tendo que se empenhar até o limite
de suas forças, sempre, pra fazer
qualquer coisa. É no amor, é no trabalho,
é na conversa, você me exigia
inteiro, intenso, pra tudo, caralho...
Tinha que olhar pro céu e dar bom dia,
tinha que incendiar a cada abraço,
tinha que calcular cada pequeno
pequeno detalhe, cada gesto, cada passo,
que um cafezinho pode ser veneno
e um copo d água, copo de aguarrás
Só que, Joana, a vida também é jogo,
é samba, é piada, é risada, é paz
Pra você não, Joana, Você é fogo
Está sempre atiçando essa fogueira,
está sempre debruçada pro fundo
do poço, na esquina da ribanceira,
sempre na véspera do fim do mundo
Pra você não há pausa, nada é lento,
pra você tudo é hoje, agora, já
tudo é tudo, não há esquecimento,
não há descanso, nem morte não há
Pra você não existe dia santo
e cada segundo parece eterno
Foi por isso mesmo que eu te amei tanto,
porque, Joana, você é um inferno
Mas agora eu quero refresco, calma,
o que contigo nunca consegui,
nunca, nem um minuto. Já, com Alma
é diferente, relaxei, perdi
a ansiedade, ela fica ao lado, quieta
e a vida passa sem moer a gente.




Trecho extraído da peça teatral Gota d'água, de Chico Buarque e Paulo Pontes.



sexta-feira, 15 de maio de 2009

Desvio

Talvez elegância
Talvez um ledo engano
Talvez um fio solto
Talvez um parafuso a menos
Talvez a mais.

Talvez luxúria
Talvez orgulho
Talvez almas gêmeas
Talvez briga entre irmãs
Talvez filho único.

Talvez bruxaria.
Talvez feitiçaria.
Talvez me devolva em três dias.
Talvez Amor
Talvez apenas um pretexto para um livro de poesias.

Talvez destino
Talvez um caso de vida ou morte
Talvez outra vida.
Talvez outra morte
Talvez desatino.

Talvez sangue
Talvez groselha
Talvez vinho.
Sejá lá o que for,
Tinha uma pedra no meio do caminho.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Correndo por largas avenidas de contra-mão
olhos vendados pela dízima periódica
tecidos discretamente transparentes
pregando uma peça na morte metódica.

Poças de lágrimas
Escorregadias
insistentes em me convencer
que são o oposto do inverso
da quadrada alegria.

Pés chafurdados na lama
podre e doce de almas humanas
deixando-se contaminar, penetrar
pela epiderma semi-permeável
de um pensamento nada estável.




sexta-feira, 1 de maio de 2009

Singelo

Há alguns dias atrás, ao terminar de ler um livro, me peguei a sentir uma falta quase que viciosa dele... uma necessidade. Percebo o quanto essas deliciosas junções de letras me tomam por completo. Ativa e passivamente. Engraçado até. Um vício. Às vezes para o bem, às vezes para o mal. Me levam ao encontro de mim mesma e à compreensão das pessoas, e outras vezes fazem me embolar em uma fuga, descompreendendo tudo e todos.
A imperfeição de não abranger tudo. A esperança de que isso ocorra. E isso não ocorre. E isso a mantém viva dentro de mim: não ocorre.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Oh! Sejamos pornográficos

(docemente pornográficos).

Por que seremos mais castos

Que o nosso avô português?



Oh ! sejamos navegantes

Bandeirantes e guerreiros

Sejamos tudo que quiserem

Sobretudo pornográficos.



A tarde pode ser triste

E as mulheres podem doer

Como dói um soco no olho

(pornográficos, pornográficos).



Teus amigos estão sorrindo

De tua última resolução.

Pensavam que o suicídio

Fosse a última resolução.

Não compreendem, coitados,

Que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso a teu vizinho,

Ao condutor do teu bonde,

A todas as criaturas

Que são inúteis e existem,

Propõe ao homem de óculos

E à mulher da trouxa de roupa.

Dize a todos: Meus irmãos,

Não quereis ser pornográficos?


carlos drummond de andrade

terça-feira, 14 de abril de 2009

Engraçado como os sofrimentos insistem em se dizerem bons, em se dizerem ótimos professores da vida e trá-lá-lá. E como as coisas boas insistem em se auto-denominarem ilusão. Eu juntaria as duas coisas e chamaria de ponto de interrogação. Adicionaria um travessão e diria: espere sentado minha aceitação. Isso não tem graça.

(Talitha Borges)

domingo, 12 de abril de 2009

Uma certa verdade universal....

    Quadrilha
    Carlos Drummond de Andrade
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história

sábado, 11 de abril de 2009

Duo

Poemas possuem profundidade. Todo resto é largura.


( junção de idéias: eu e Aurianny)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Mecanização humana

Eis a prova.
Viva de nossa mecanização.
A mudança de rotina
Enlouquece.

Robôs.
Trei-na-dos
Para fazer tudo igual
E perfeito.

Tudo igual
Tudo igual
Igual a tudo

Inpedindo-se os erros,
Controlando-os
Por programas humanos
Desumanos.

Fios cortados.
Pane. Pa-ne.
Alguém se lembra?
PANE.

O dinheiro enobrece
O homem.
Lem-bre-se.
Tudo igual.

Alguém se lembra?
Falta óleo
Engrenagens emperradas.
Falta de energia
Persona-calorífica.

Luz...
Acende-se
Apaga-se.
Dorme. Não esquece.

Dois fios cortados.
Cabelos. Máquinas.
Cabeças lenta-men-te
Des-pa-ra-fusando-se.

Falta de energia.
O bebê.
Bebe. Toma.
Não se lembra?

Eis a prova.
De nossa mecanização
Industrial?
Humana.

E assim dá-se
corda nos brinquedos
Antes de dormir.
E os sonhos são
Livres. Internet banda-larga.

Nem eles.
O bebê!
Onde?

Vá. Engula os sapos.
Todos.
E veja só as moscas acumuladas
Ao-seu-redor.

Sentimentos escolhidos a dedo...
Tudo natural...
Ser inatural.
A mentira é que é
A grande verdade

O bebê morre.
Ei...
Erro ao executar o programa.
Documento decsonhecido.

Logof

Fios cortados.
Preconceitos cortados.

O mundo te diz não.
Volte a jogar,
Ou será excluído.

12/04/07 (Talitha Borges)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

O Ator



Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o suficiente para ele permanecer indiferente às desgraças ou alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave onde ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu na sua vida.

Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingí-lo no pequeno núcleo macio de sua sensibilidade e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que por desencanto ou medo se sujeita, e inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.

Os atores têm esse dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos onde não existem defesas. Os atores, eles, e não os diretores e autores, têm esse dom. Por isso o artista do teatro é o ator.

O público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas o ator tem que se conscientizar de que é um cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva. O ator tem que saber que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade e, sobretudo um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da personalidade de sua personagem, com a única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética pretendem.

Eu amo os atores nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero de sua insegurança, quando ele, como viajante solitário, sem bússola da fé ou da ideologia, é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente, procurando no seu mais secreto íntimo afinidades com as distorções de caráter que seu personagem tem. E amo muito mais o ator quando, depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, emprestando seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor sem nenhuma reserva toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado. Eu amo o ator que se empresta inteiro para expor para a platéia os aleijões da alma humana, com a única finalidade de que seu público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor que tem que ser construído pela harmonia e pelo amor. Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem ter não é o dinheiro, não são os aplausos. É a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos. Eu amo os atores que sabem que no palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se valer da técnica mecânica.


Plínio Marcos

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Curiosidade

SOCORRAM-ME SUBI NO ÔNIBUS EM MARROCOS












[leia de trás para frente]

terça-feira, 24 de março de 2009

"O grande problema não é o que você não sabe. É o que você tem certeza que sabe, só que não é verdade" Mark Tubin

segunda-feira, 23 de março de 2009

Extraterrestre.

Como evitar a generalização de vários fatos? Por que o tudo que eu posso doar, muitas vezes não é o suficiente?? E não adianta, eu me entrego por inteira, mas não adianta, eles querem mais e eu não sei o quê. Ou sei... Confunde-se independência com descaso; persevarança num sonho com obsessão; amizades com traição. E o meu muito fica sendo pouco. E o meu tudo fica sendo nada.
Hoje, ao perguntar o por quê de tanto descuidado, recebi como resposta palavras que disseram-me que eu sempre deixei claro que não precisava de cuidados. E tirando as circunstâncias de raiva e orgulho do dono da boca da qual saíram tais palavras - talvez há um fundo de verdade, no mínimo uma má interpretação reconfortante, vista como verdade.
E mandam-me ir ao teatro, e dizem como uma sentença, sempre a mesma, martelando em seus cérebros a superioridade de macho: FICA COM O SEU TEATRO. Mandam-me ao teatro como quem me manda à merda. Ou à puta que pariu. Engraçado como a opinião faz o Deus e o Diabo. Lá vou eu à merda.
Acho que não sou daqui.

22/03 (Talitha Borges)

quinta-feira, 19 de março de 2009

Indevidas

Num tapa estalatizante
Corada fica a madeira da face,
quase em combustão.
E a mão - antes película feminina,
rachaduras - quase - vulcânicas
Linhas da vida

Cabelos, antigas ondas singelas
Agora bóiam os tufos na água
arrancados sem esforço.

Com os dentes.


Cortes profundos
impura vingança
escorrem pelo corpo...
jurando ser groselha
as manchas
nos lençóis da esperança.

( Talitha Borges)

RESÍDUO

de Carlos Drummond de Andrade.

De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.


Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).


Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficam poucas
roupas, poucos véus rotos,
pouco, pouco, muito pouco.


Mas tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
- vazio - de cigarros, ficou um pouco.


Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
de teu áspero silêncio
um pouco ficou um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.


Ficou um pouco de tudo
nos pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.


Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
em pouco de mim algures?
no consoante?
no poço


Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.
De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...


De tudo fica um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
do vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver...de aspirina.
De tudo ficou um pouco.


E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.


Mas tudo, terrível, fica um pouco.
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço do cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte de escarlate
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Aquarelas Rubras

Se queres medir a temperatura de alguém
encontre nela a boca
e saberás a intensidade de seus sonhos
e medos

A boca,
e não a lingua -
serpente fria quando quente.
A boca-carne,
boca-arte

Aquarelas rubras
de tons rosados
Poços
água, açúcar e fel.

Choque de termômetros
Rios levados ao mar.




segunda-feira, 9 de março de 2009

Alice

A vida lhe sorri
num instante ilusionário
Te traz num mergulho
em gotas e sal
um leque de cores imaginário.

Aceita e brinda
sua sorte até que finda
até que Alice - como manda o esquema -
esvair-se, só, num poema.




terça-feira, 3 de março de 2009

A paz. A pretensa paz. Ela vai chegar. E deve ser isso. Um ser nada no espaço. Um não achar nada de tudo. Cabelos desgrenhados em meio à multidão universitária e trabalhadora. Um caminhar em linha reta. Um instante entre dois segundos. Uma Era entre dois corpos.
O silêncio branco. A falta de memória: a paz, a pretensa paz. E ela vai chegar. Deve ser isso. A invisibilidade da ausência, mesmo presente.



(Talitha Borges)

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Dio... Nísio.

Um gole
Lingua fria, garganta quente
Dizem veneno
Sinto o sagrado.

Dois
Tensões em plena metamorfose
Risadas dissolvidas no vácuo entre sólido e gasoso.

Mais
olhos além do que existe
a realidade aqui ainda persiste

Tudo em dobro como deve ser
Infantil talvez
Como é chamado qualquer felicidade
sem causa
como todo rebelde.

Brinde a Dionísio!
Lindo e louco
em seus olhos boiando.
Minhas pupilas dilatando
Em suas mãos segurando
e por elas me guiando.


segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

SONETO DE SEPARAÇÃO
Vinícius de Morais

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amanteE de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Cheguei, abri os olhos
E te pedi uma noite.
Fechei, e meu deu meses inteiros,

Eclipses, estrelas cadentes,
Solstícios quentes
e frios.

O que mais queria?
Eu só pedi uma noite.
E agora por onde anda o dia?

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Docilusão.

A revolta me envolve agora. Descobrir algo que já se sabe... e quis esconder de si mesma. Tenho raiva. Muita raiva desse tal de amor. Ele devia bastar. Mas não basta.
Só amar não basta. Mas finge que sim. Tudo isso é muito injusto.
Mas eu já sabia.
Talvez ao ler isso voce me ache muito exagerada ou incoerente. Eu acredito no amor, nele como algo primordial. Essencial.
Querer para sempre. Viver. Para sempre viajar. E nunca mais voltar. E esperar. E acreditar. Nunca havia sentido algo tão sincero. Nunca havia tido vontade de ter um filho.
Não vou ter filhos.
Claro que eu posso mudar de idéia, é lógico. Mas isso é o que sinto agora.

Nessa vida ainda, talvez??

sábado, 17 de janeiro de 2009

Desapego 1

Segundo o dicionária virtual Priberam:

s. m.,
falta de interesse por;
desamor;
indiferença;
desprendimento;
desinteresse;
desafeição.

Eu não sei fazer. Eu não sei fazer isso. Deve ser por isso q preferem cola em bastão...