terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Dramat(urgia)







                                           (Abre a cortina)

Como poderá entrar em cena um ator morto?

Um saco de ossos trabalhando às custas de sua própria vida
Entregando tudo ao palco, cambaleia pelas noites sem espetáculo
Acende e chama pelo clamor intenso de vida em transações com a morte.

Sua pele cada vez mais fina, gastos cada vez mais altos com pancake, pó
Tudo que sobra deixado ao público, vida vida vida luz no olhar
Avermelhado a buscar no inferno todo calor que lhe falta no humano.

Seus ossos duros e raspados contra o chão contra o outro contra ação do cu.



II

Contração do público:
Como poderá entrar em cena um ator morto?
O ator está morto, o personagem não, resiste bravamente pinga suor
Gira a órbita de seus olhos em óbito, move-se com naturalidade como a um sobrevivente
Que reaviva a todos, friccionados pela ficção de uma realidade (in)fiel à morte.

Exclamações ovacionadas palmas palmadas socos e pontapés
Em busca de uma vida enfim morrível, sangue. 

(A máxima do suicídio.)
Em busca de uma prova: o que significaria um morto mais vivo que nós??

Como pode sair de cena um personagem vivo? 
                                                         (Fecha a cortina)



III

Agradecimento aos colaboradores: 


Cemitério das Flores e Maquiagem Dolores. 

sábado, 1 de dezembro de 2012



Salve-me, poesia do dia.
Salve-me, dê-me a ironia, desenrede de mim a melancolia, torne-me metáfora, faça de meu corpo aliterações cortantes e sussurros assonantes.

Salve-me, poesia do dia.
Salve-me, dê-me a paciência que há nos versos e que as horas sejam estrofes, que se rime a minha mentira.

Salve-me, poesia do dia.
Salve-me, ensine-me o ritmo, o verso branco, a nuvem.

Livrai-me do meu-lírico homicida.

Salve-me, poesia do dia.
Salve-me ou serei poeta.




terça-feira, 20 de novembro de 2012

Rugas




 Suas marcas preconizam sua intensa vida jovem: que morte?

Daquelas rugas,                 Eu gostaria de tomá-las para mim, na tentativa de memória.
Das beiradas de um olhar vivo
Empoçado  no reflexo de um mosaico
Móvel e sonolento.

Qual morte haverá  ao abrir esses olhos?

Daquelas rugas,       Onde me deixam a vasilha de leite e ração, animal faminto que sou.
Das linhas constantes de fuga
Ranhuras sem encaixe indicando
A direção inconstante do raio que chama.      E deixa-me à espera do trovão final. Intacto.


Das querelas da vida: verrugas
Estrelas apontadas em seus pés de galinhas
Ao sorrir no acaso-da-mulher-de-espera-enlouquecida:
Menina-musga envelhecida.                     

                                                                                    Marca-me viva.

Socorro suas marcas. Parcas rusgas.
Ironiza a vida tendo tão jovem rugas.

domingo, 4 de novembro de 2012


A solidão é sólida. Sórdida na mordida. Morde, morde e tudo o que se pede é que arranque logo um pedaço de tudo. Tudo que excede, e não cede, e resiste, e difere. Vem, fere-me. E quando acabar com todos os restos e eu sobrar sangue e líquida nas sanguessugas verás que venci.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Miragem

Apenas conhecerá tamanha doçura aquele que suportar tamanho fogo ardendo em seus olhos de água.
Aguentar firme e de plexo aberto a entrada de seu arrastar perturbador e solar.
Secar sob a miragem, dissecá-la, até cessar a impressão de imaginação
E acreditar.

domingo, 23 de setembro de 2012

Uma gota




A virilidade não é independente. Vive debalde num ser fecundo
Unidade de medida, comparação por conta- gotas
De feminino.

As mulheres beberam toda coragem do mundo.
A sede é eterna, prosseguem bêbadas e sem verdadeira fama.
Desagradecidas pela histeria masculina.

Há que se digerir o rancor do desperdício contado
Para sobreviver às mortes diárias de fé no ser humano.

O jogo está terminado, minado, mirrado, impossibilitado.
Coitado e afoito, a esperar o fim, que é a comprovação racional
Do real existir
e do gozo.

Há que se ganhar, para não perder-se.
Dizem.
Há que perder-se, para ganhar.
Gritam.



domingo, 26 de agosto de 2012

Não chega a ser tristeza
Essa secura sob os sóis da alegria.

Há tempos sem chuvas no m'olhar.
Sem raios, que são a materialidade do acaso.
Sem trovões, que trazem a força que há no atraso.
Sem enchentes, as que vêm para testar os descrentes.

Não chega a ser tristeza
Essa secura áspera da (in)certeza.








(Publicado no livro "Coletânea de poemas",  III Prêmio de Literatura,  Editora Edufes, Espírito Santo, 2016)                   



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Com sorte


Restaria para si a companhia tumultuada da solidão, 
Certa gravidade e mistério dos que sabem mas não proclamam,
Alguma elegância de vento frio sob a luz do poste.
Para si restaria o sussurro, que os encerados diriam fantasmas.

Seria sim e escolheria o deboche entre lençóis furados e em posição de ataque
Sobrenatural, que parece ao ébrio uma lembrança, e ao sóbrio uma cobrança.

Restaria para si os líquidos. As lágrimas. As chuvas. As doses. Os leites.
Que escorrem, que se vão, os viajantes em eterna transformação
A se banharem em rios estrangeiros e respeitar cada porto, cada nó, cada âncora,
Cada língua e cada céu que estrelasse por um mar de saliva.

Seria sim e engoliria os peixes, os sapos, os príncipes, as bruxas cabeludas e a calma.
Pois comer é deixar que se adentre, é assumir que se é também espaço vazio.

Restaria para si os piores segredos dos outros, que guardaria sem escolher,
Sendo mentirosa explícita, emudeceria naturalmente ao dizer a verdade.

Restaria para si o que todos  jogam fora da vida – mas proclamam na hora da morte.
No entanto, ela mesma não restaria. Má sorte. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Presságio

Tenho a experiência anterior à ela mesma.
Uma experiência medrosa de tão certa,
De tamanha intuição reveladora -
E sem tempo.

Antes de viver pressinto-a
Caminhando pela penumbra,
Olhando através da janela,
 - Como o vento -
Soprando as portas e assobiando canções

De despertar, a me preparar -
Eu que chego atrasada, mas chego
Para a novidade
Que não mergulha de uma vez.

Sente as gotas nascentes e neste momento
Reconhece o rio.

E vivo tudo antes, encantada e segura,
Como se as experiências estivessem no DNA,
Demoradas manifestações oprimidas
Pelo espaço.

Paciente espero a vez de cada uma,
Tocando-as em potências de ultra-imaginação
De uma morosidade de observador

Que sempre vive além de si.

Manha

                                  Para Caio Lion



Hoje acordei com o sol.
Virei, revirei na cama, cedi:

O dia caiu em cima de mim.

domingo, 22 de julho de 2012

Gentilezas



Que escorre pelas saias
Mesmo que as amarre
Em um nó de figa.

O maior será o que transpor
Paredes e tecidos e tecidos e tecidos
Celulares após recriar as regras seculares

Da flor.

Há que se cobrir de silêncio o grito
Do diálogo universal dos corpos
Epiteliais e nervosos e sãos que são

A dança de dentro para dentro do outro.
Na intenção momentânea de unificação, para que haja
Mais espaço no mundo – plano ineficiente.   (Deus nos enganou)

Que se derretam ao encontro firme e macio,
E se desaguam sempre consumindo
os próprios líquidos que choram por outros olhos

A consumação da realidade que é esta e máxima
Um alimentar-se da sopa do suor do outro – salínico
E das proteínas e lipídios do outro – que é doce.

Na repetição das ondas incansáveis,
Que vagam, divagam, vagam e divagam, vagam, divagam
Eternas e sôfregas  na ida
Eternas e diluídas na volta.


Resfolegando oxigênio pelo espaço deixado pela língua
De um só fôlego: o mundo dos canais abertos pela força

De um mar.

Que gentileza: morrer afogado e voltar a respirar pelos olhos de um recém-nascido.




segunda-feira, 16 de julho de 2012

Fugidio

                       

                               Para Lucimara Amorim
                                       E para Matheus Youssef.
                                     



Ninguém irá me salvar:
Eu não deixo.
Jamais permitirei tamanho desleixo seguro
Que me manterá nas redes dos pescadores bons
Enquanto morrerão os maus de fome e sem nomes.

A injustiça doerá não em mim,
Que serei sem vingança,
Sem fiança,serei solta e terei de fugir
Da salvação que é um peso que
Só se aguenta morrendo.

E serei viva e mentirosa
Para sempre. Até o último julgamento.

domingo, 15 de julho de 2012

Indispensável

               
           



Algumas roupas penduradas
Outras tantas à campanha
E toca uma campainha
É um sino de ouro que
bate em forma de tiro
Acerta o peito, deixando
na roupa um buraco
No corpo a distribuição de
um vermelho, tão forte, mais
tão forte, que alguns não o
podem ver
Indispensável a arma mira à
cabeça; bem da onde não há chapéus.


                                            De um poeta que o poema diz mais que o nome. 




                                                 

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Burburinho



Para ser ouvido: silenciar,
para se relacionar com o som que vem 
dos ouvidos alheios. Alheios ao tudo,
Chegaremos ao tudo por via indireta. 
Como lingua epitelial que se comunica por códigos 
de velocidade no choque entre as moléculas.

sábado, 2 de junho de 2012

Estimação



Numa tarde comum e sonolenta,
Depois do almoço de talheres e ações polidas,
Corriam todos às obrigações puídas
De cansaço e sol e desejo contido da sobremesa,

Quando um cachorro cortou a rua atropelando
Os carros todos, carregando em sua boca um coelho branco:
Carregava a sorte de todos.
Parou, por entre as rodas e os portões inúteis,
E abriu o coelho, ansioso pelas tripas.

De estimação, pelo macio e coleira 
Prosseguiu seu desjejum incomum e fresco
Diante dos olhares, uns atônitos, outros de esguelha e
Matou quem lhe matava, pelos vermelhos de satisfação.

Sem relevar nada além de sua fome
Revelou a pedra fundamental
Que segurava o tempo
Dos seres humanos de eterna fome.

Paralisou a todos com tal gesto de selvageria
E amoleceu a concretude das estruturas,
A concretude das razões e das rações.

Levou a sorte de todos.

Sobrando apenas os olhos vermelhos. 
Num lugar sem cães. Nem coelhos.


sábado, 19 de maio de 2012

Paisagem


Uma estranha leveza de cortina
que se abre mesmo que a janela esteja fechada
e balança as lâmpadas das ideias sem ideia alguma
tudo é cor
se joga pela janela do quinto andar
e não cai, só experimenta o risco que há
de sair do trilho do tempo
num grande suspiro do mundo

numa leve volubilidade de bolha
que se deixa preencher de sopro
colore, brilha, encanta e some ardendo os seus olhos
e que por amor ou vício esquecerá e produzirá
outra de sopro igual
elixir e veneno de atmosfera
um pequenino calor de pedra sobre a pedra
que se torna fogueira ardente
de um calor mordente
para apagá-lo: só pisando
até chorar lágrimas geladas de chuva doce.

Sim. As formigas virão.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Poeta



Retratado está,
Nota-se a um básico
Folhear de didáticos
E biográficos:

Uma gravidade pousada
Em uma torrada de geléia,
E uma fresta de sol
Pela janela aberta.

A ajeitar os óculos
Que lhe dão certa importância,
Afinal – é o que dizem –
Olhos letrados cansam, menino!

Vai lê lá fora!

Mas lá fora
ninguém lê,
passa pra cá essa bola.

Retratado está,
A um folhear de superfície
Em suas cartas antigas:

Uma filosofia heroica, apaixonada
E nunca vã
Entre um apertar de botões e
Outro de moças.

Que enfim lhe apertavam
Mesmo era o coração
Saltado em versos:
Que sobremesa... o guardanapo.

Retratado está,
A um observar de muros
De sua cidade abandonada
pelo ontem:

Excitado pela malandragem
Pinta à tinta frases repetidas
E frescas de emoção –spray
Que cai

Menos pelo desejo do risco
De ser enfim autor clandestino
Mais pelo som metálico
Pela cura da surdez da noite.


Retratado está,
Jogado de rede,
Entre faces e fotos de invento
Arrisca pequenas frases no intento
De algo dizer.

Mas tudo é tão dito – reedito:
Inaudito.
Refratado está suas palavras.

Que decidiu manchar de geléia as paredes
Distribuir guardanapos com marcas de batom
E derrubar muros.